quarta-feira, 17 de março de 2010

RACISMO Timidez e preconceito


RACISMO E ESPIRITISMO
Eugenio Lara
"Ninguém nasce como você quer. É uma questão profunda do destino humano. O mesmo orgulho, distante e
Puritana, poderia muito bem ter nascido na África, ea desprezada nasceu feito um loiro nórdico. O
situação tinha sido invertida ... Eu penso sobre ele aqueles que se sentem "superiores" por terem a madrugada
pele. A luz de superfície ou escura não indica qualquer superioridade ou inferioridade. "
David Grossvater

1. INTRODUÇÃO
2. O RACISMO
3. AS RAÍZES DO RACISMO BRASILEIRO
4. “DEMOCRACIA RACIAL” E MISCIGENAÇÃO
5. AXÉ E NEGRITUDE
6. CONDICIONAMENTO PSICO-SOCIAL
7. O ESPIRITISMO E O RACISMO
8. KARDEC ERA RACISTA?
9. OS ESPÍRITAS E O RACISMO
10. RACISMO ATÁVICO
11. CONCLUSÃO
12. NOTAS
13. BIBLIOGRAFIA
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho é uma modesta abordagem do racismo e suas várias implicações, sob a ótica da filosofia
espírita. São reflexões sobre a presença desse sistema sectário de pensamento na sociedade, e que tantos prejuízos
tem trazido para a paz e a fraternidade entre os homens.
O que é o racismo? Como se dá sua presença de modo tão marcante na sociedade brasileira e no próprio movimento
espírita? São algumas questões, dentre outras, que esse trabalho procura abordar, com a intenção de atingir os
seguintes objetivos:
1. Abordar as raízes históricas do racismo e seus efeitos no comportamento das pessoas, segundo
condicionamentos psicossociais introjetados pela nossa cultura, amplamente influenciada por pré-conceitos de origem
racista; a questão do racismo hoje e do movimento negro, procurando identificar algumas de suas influências no
movimento espírita.
2. Tecer algumas críticas a determinadas conceituações e colocações de Espíritos e espíritas, ainda marcadas pelo
religiosismo e a visão idealista do processo histórico, que escamoteia o verdadeiro sentido do papel do negro na história
e na sociedade.
3. Analisar a posição de Allan Kardec em relação ao negro, sob o ponto de vista ético, estético e espiritual. Até que
ponto o fundador do Espiritismo foi preconceituoso em relação a essa etnia? Teria ele sido racista em suas reflexões
sobre a raça negra?
4. Expor a visão espírita:
a. Do homem como um cidadão do universo que é, transcendente à etnia, religião, nacionalidade, etc.
b. Da reencarnação, cuja concepção espírita contribui para a destruição dos preconceitos de casta e de cor.
2. O RACISMO
O racismo, segundo a acepção do “Novo Dicionário Aurélio” é “a doutrina que sustenta a superioridade de certas
raças”. Enquanto sistema de pensamento, o racismo teve as suas primeiras teorizações no século passado, na França.
O Conde de Gobineau foi o principal teórico das teorias racistas. Sua obra, “Ensaio Sobre a Desigualdade das Raças
Humanas” (1855), lançou as bases da teoria arianista, que considera a raça branca como a única pura e superior às
demais, tomada como fundamento filosófico pelos nazistas, adeptos do pan-germanismo.
O racismo caracteriza-se como um sistema segregacionista por natureza, uma ideologia que prega a supremacia de
um povo, de uma raça, ou mesmo de uma cultura sobre outras, expressando-se de diversas maneiras: em nível cultural,
religioso, biológico. Na concepção de valores, e em nível institucional, legalizado.
É um fenômeno de caráter universal. Os judeus, na Antigüidade, comportavam-se de modo racista ao se
considerarem como o povo eleito pelo Deus-Jeová e ao discriminarem os outros povos, chamados por eles de gentios.
Para o romano, todo aquele que não participasse de sua cultura era chamado pejorativamente de bárbaro. Os espanhóis,
que trucidaram os povos pré-colombianos, consideravam-nos como seres inferiores, o mesmo ocorrendo no Brasil com
os bandeirantes portugueses em relação aos indígenas brasileiros.
Apesar de ser um sistema que não se limita somente à discriminação do negro, o racismo é hoje quase sinônimo de
perseguição à raça negra, bastando se reportar ao extinto regime racista do apartheid, na África do Sul e o racismo
brasileiro, marcante na concepção de valores e escamoteado pelo mito da “democracia racial”.
No Brasil, passados mais de 100 anos da promulgação da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, que libertou
(legalmente) os negros da escravidão, há muito ainda por ser conquistado a fim de que o negro tenha, de fato, sua
dignidade garantida e respeitada.
3. AS RAÍZES DO RACISMO BRASILEIRO
As raízes do racismo brasileiro, que se caracteriza principalmente pela discriminação do branco sobre o negro,
encontram-se no Brasil Colonial e se acham vinculados historicamente à escravatura.
A escravidão negra foi a solução do capitalismo comercial para a exploração das colônias, por tratar-se de mão-deobra
barata, tornando-se o Brasil e diversas outras colônias, numa das molas mestras de todo o sistema econômico
colonial.
Na medida em que o capitalismo europeu foi superando sua fase comercial e monopolista, para se constituir no
capitalismo industrial, em meados do século passado, o antigo sistema colonial, mantido por Portugal e Espanha, duas
superpotências em franco período de decadência, torna-se um grande obstáculo à livre circulação de mercadorias, agora
industrializadas. A manufatura tende a ceder seu lugar à indústria e o comerciante, ao industrial.
A lógica do capital conduz à expansão de mercados. A mão-de-obra escrava, por ser barata, reduzia enormemente os
custos indiretos da produção brasileira, cujos produtos, no mercado internacional, eram um dos mais baratos,
concorrendo com os produtos de países europeus colonizadores. Era preciso acabar com a escravidão para que se
abrissem novas frentes de mercado, de modo que os produtos brasileiros deixassem de concorrer com os europeus.
A Inglaterra, primeiro país a se industrializar, passa a pressionar Portugal para que elimine a escravidão no Brasil. Em
conseqüência da invasão das tropas de Napoleão Bonaparte a Portugal, D. João VI e a família real portuguesa
transferem-se para o Brasil em 1808. A Inglaterra dá todo o apoio a Portugal em troca da abertura dos portos e da
extinção do tráfico negreiro.
Com a abertura dos portos, passam a surgir no Brasil diversas unidades produtivas. A Inglaterra e outros países
começam a montar no Brasil as suas primeiras indústrias.
Diversos fatores contribuíram para a extinção da escravidão, notadamente os econômicos. Mas para extingui-los,
foram necessários longos anos de luta, já que teve ardorosos defensores em amplos setores da camada social. Além de
interesses econômicos, representados pelos senhores de engenho e posteriormente, pelos barões de café, havia
também interesses de caráter psicológico. Para a classe dominante, ter um escravo era sinônimo de “status”, de
prosperidade. A Igreja, dominante na época, pregava a idéia absurda de que a escravidão era algo “natural” porque Deus
assim o permitia. Haja visto que a Igreja, ao lado dos traficantes, muito lucrou com a escravidão. Em Portugal, por
exemplo, a Ordem de Cristo tinha participação ativa na partilha dos lucros do comércio de escravos. O tráfico negreiro
era, sem dúvida, uma interessante fonte de enriquecimento.
Em 1850 é aprovada a Lei Euzébio de Queiróz, extinguindo o tráfico negreiro, o primeiro golpe certeiro no
escravismo. O tráfico ainda persistiu durante muitos anos, à revelia da legislação e de todas as represálias da Inglaterra,
que fiscalizava, perseguia e até afundava os navios negreiros. Com a aprovação dessa lei, a abolição da escravidão seria
apenas uma questão de tempo.
Com a extinção do tráfico de escravos, a classe dos traficantes passa a investir seu capital acumulado em outros
setores da economia, aplicando-os na abertura de empresas comerciais e financeiras. A partir da década de 50,
inúmeras indústrias surgem e a Inglaterra passa a investir capital no Brasil.
A mão-de-obra escrava tendia, portanto, a se tornar escassa, criando um problema crônico para os senhores de
engenho e para os barões de café, a nova aristocracia que surge a partir da década de 70, com a expansão da lavoura
cafeeira. Após a decadência da cana-de-açúcar, do algodão e do tabaco, este último utilizado como moeda no comércio
negreiro, o café vem se caracterizar como o grande produto de exportação e a última das grandes monoculturas.
À medida que o senso de valores da sociedade colonial evolui, a escravidão passa a ser considerada uma agressão à
dignidade humana, perdendo assim sua sustentação moral. Além de todas as pressões internacionais, no Brasil o
movimento abolicionista será o grande mediador dessa ânsia de transformação, de indignação generalizada dos setores
mais politizados da sociedade.
Desde 1822, com a proclamação da Independência, o movimento abolicionista vinha conquistando um espaço de
influenciação cada vez maior junto à opinião pública. De início, esse movimento se caracteriza pela reunião de intelectuais
e profissionais liberais comprometidos com ideais humanitários. Mas, com o passar do tempo, irá assumir características
políticas e até revolucionárias. Se de início agia na legalidade, a partir da década de 80 passa a praticar o que hoje
chamaríamos de desobediência civil, agindo na ilegalidade, em espaços alternativos de atuação, praticando uma espécie
de luta “underground”, incentivando fugas de escravos, financiando revoltas e apoiando a formação de quilombos.
Há de se considerar, contudo, em todo esse processo de emancipação, que o negro não foi um simples objeto. Ele
tem de ser considerado como sujeito de sua própria história.
Com as recentes pesquisas historiográficas acerca do papel do negro nas rebeliões e na formação de quilombos,
torna-se hoje insustentável a tese de que ele tivesse tipo um papel passivo e subalterno no processo de abolição da
escravatura.
O quilombo, agrupamento alternativo que reunia escravos fugidos, índios, mestiços e até criminosos, foi o símbolo
máximo da resistência e da revolta negra no Brasil colonial. O mais importante deles, o Quilombo de Palmares, foi uma
grande confederação de quilombos, e chegou a reunir cerca de 20.000 quilombolas. Resistiu ao poder durante mais de
60 anos (de 1630 a 1695), sendo finalmente massacrado cruelmente por Domingos Jorge Velho e suas tropas,
bandeirante responsável pelo assassinato de milhares de indígenas, e ainda considerado pela historia oficial como um
dos “grandes” vultos da nossa história.
Como afirmamos no início, uma série de fatores contribuíram para a abolição da escravatura. Todavia, o golpe de
misericórdia foi a imigração européia: solução encontrada pelos barões de café para suprir a escassez de mão-de-obra.
Com o avanço das forças produtivas e das relações de produção, a velha ordem colonial não atendia mais aos interesses
do capital, que passa a exigir uma mão-de-obra mais qualificada. Mesmo a importação de escravos do norte do país não
conseguirá abastecer de mão-de-obra as lavouras cafeeiras e as novas unidades produtivas. A mão-de-obra escrava,
além de ser cara e insuficiente, não atendia às necessidades das novas relações de produção, redundando o seu uso em
um atraso econômico nas manufaturas existentes.
O imigrante europeu constituiu-se na grande solução desse problema de mão-de-obra. E as condições climáticas do
sul do país favoreciam essa nova corrente migratória. O escravo torna-se obsoleto e a forma de trabalho assalariado
passa a ser mais vantajosa para o patrão.
A partir de 1870, o Brasil será o único país do Ocidente a manter o regime de escravidão, significando com isso, um
atraso econômico que ainda não foi superado. As pressões internacionais e nacionais se intensificam. O movimento
abolicionista ganha mais força. Em 1871 é aprovada a Lei do Ventre-Livre. Hábil manobra do poder e que resultou num
certo arrefecimento do abolicionismo, que ressurge com todo seu vigor a partir da década de 80 em todo o país. Em
1883, o movimento é unificado pela Confederação Abolicionista.
A enorme capacidade de persuasão dos abolicionistas, seu ativismo e idealismo, formam o grande catalisador da
derrubada da ordem escravista. José do Patrocínio, o “Tigre da Abolição”, Joaquim Nabuco, Luís Gama, dentre outros,
foram abolicionistas brilhantes, grandes lideranças urbanas, cuja atuação contribuiu significativamente para a abolição da
escravidão. No plano da literatura, a obra poética de Castro Alves se constituirá numa grande contribuição à causa, quase
do mesmo modo que a obra literária do escritor norte-americano Harriet Breecher Stow, “A Cabana do Pai Tomás”
(1852).
Os movimentos de evasão, de fuga dos escravos se intensificam. Em 1884, no Ceará, os escravos são libertados.
Falta apenas formalizar o fim da escravidão. Não há mais sustentação alguma para a sua existência.
Em 13 de maio de 1888, a Regente Princesa Isabel, que substituía seu pai, Dom Pedro II, afastado do trono por
motivos de saúde, sanciona a lei nº 3.353, a Lei Áurea, composta de apenas dois artigos:
“Artigo 1º _ É declarada extinta a escravidão no Brasil. Artigo 2º _ Revogam-se as disposições em contrário”. E com
isso liberta quase um milhão de escravos em todo o País.
Indubitavelmente, a abolição dos escravos foi o resultado lento e gradual de mudanças estruturais na economia
internacional e nacional, oriundas da transição do capitalismo monopolista para o industrial.
Durante muito tempo a escravidão foi analisada sob um ponto de vista ingênuo. Sua abolição, fruto do idealismo dos
abolicionistas e da misericórdia da Princesa Isabel, a “Redentora”. Essa versão ideológica da histórica ainda é ensinada
nas escolas, segundo uma interpretação idealista do processo histórico, que considera os fatos históricos como
entidades independentes, autônomas e os “grandes vultos” como sujeitos determinantes de toda a realidade histórica,
sem considerar toda a dinâmica de seu processo de transformação.
Se de um lado a Lei Áurea libertou legalmente os negros-escravos, de outro, eles foram jogados pela política
imigrantista e racista num mercado de trabalho hostil e incapaz de absorvê-los como mão-de-obra, em função de sua
desqualificação e despreparo para concorrer com o imigrante europeu. Como mão-de-obra desqualificada, ao negro
restava os trabalhos mais insalubres. Daí as causas de um certo “parasitismo” em comparação com a mulher negra, que
conseguia mais facilmente emprego como lavadeira, empregada, faxineira e outros serviços domésticos.
Além das barreiras econômicas, havia para o negro recém-saído da escravidão, enormes barreiras ideológicas
criadas pela ideologia racista, quase que intransponíveis. Parafraseando Joel Rufino dos Santos, os negros de hoje “são
‘despossuídos históricos’, descendem de pessoas que nunca tiveram nada, nem sequer a posse do seu próprio corpo”.1
4. “DEMOCRACIA RACIAL” E MISCIGENAÇÃO
“Preto só come carne quando morde a língua”, “o preto, quando não apronta na entrada, apronta na saída”, “o preto
é bem dotado”, “a negra é boa prá transar mas não serve para casar”, “é um negro de alma branca”, “serviço mal feito é
serviço de preto”, “o preto é indolente, preguiçoso, não gosta de trabalhar”, neguinho, pretinho, tição, negão, crioulo”, etc.
e etc. Frases, piadas, expressões e pechas como essas, são por demais conhecidas. Expressam bem o quanto o
brasileiro é preconceituoso.
O racismo brasileiro, ainda escamoteado e acobertado pelo mito da “democracia racial”, é um estigma, uma nódoa
presente na mente do povo brasileiro e que faz parte do cotidiano de todos nós.
Como vimos, as raízes do racismo contra o negro, no Brasil, também têm sua origem no período da escravidão. Mas
podemos encontrar o racismo em teorias, em formulações filosóficas que, pelo menos em nosso País, fundamentaram
durante muito tempo o preconceito racial e a suposta superioridade do branco.
É o caso da teoria arianista da miscigenação, que considerava a inferioridade econômica e cultural do Brasil como
conseqüência da miscigenação, da mistura entre as raças.
Raimundo Nina Rodrigues, ensaísta, etnógrafo e sociólogo, um dos primeiros a estudar o comportamento dos negros
brasileiros, e Sílvio Romero, ensaísta e historiador, foram, no começo do século, os principais elaboradores da teoria
arianista, que considera a raça branca como sendo superior às demais.
A partir da década de 30, com o lançamento da célebre obra “Casa Grande e Senzala” (1933), o sociólogo Gilberto
Freyre passa a questionar a tese arianista e propõe a tese da “democracia racial brasileira”. A miscigenação, ao invés de
ter sido um mal, foi um bem, segundo o sociólogo, proporcionando o convívio democrático entre as raças, sem conflitos,
sem discriminação. Tese ainda predominante nos meios culturais e freqüentemente disseminada nos meios de
comunicação.
Será a partir de estudos elaborados por Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, dentre outros, que o mito
da “democracia racial” vai ser revisto, colocando a situação do negro no Brasil sob uma ótica mais crítica, sem
romantismos, tentando esmiuçar as contradições do contexto de discriminação racial em que o negro se acha inserido,
desde a escravidão.
5. AXÉ E NEGRITUDE
Após a década de 70, principalmente em seu final, o movimento negro no Brasil se dinamiza. A exemplo do “black
power” norte-americano no final da década de 60, o movimento negro brasileiro passa a valorizar as raízes de sua própria
cultura. É a idéia de “negritude”, uma espécie de postura quase que estética em seu bojo, com relação à cultura negra. É
o negro se assumindo como ser, assumindo sua aparência, etnia, suas verdadeiras raízes, sua cultura. Escolas de
capoeira, afoxés, penteados e roupas características da cultura negra, constituem-se num movimento que culminou com
a comemoração dos 100 anos de libertação dos escravos.
Reivindica-se o valor do negro na história, a comemoração da libertação dos escravos no dia da morte de Ganga
Zumbi, o grande líder negro de Palmares, em 20 de novembro, que é considerado pelos movimentos negros de cunho
mais progressista, como o Dia da Consciência Negra.
Grandes avanços foram conquistados pelos movimento negro, desde a época de Getúlio Vargas, quando surgiu de
modo mais destacado, significando um maior nível de consciência da exploração do negro, de seus direitos. Há, sem
dúvida, em função desse maior nível de politização e conscientização, uma evidente divisão no movimento negro. Os
movimentos atrelados ao poder ainda se mantêm fiéis às tradições comemorativas do 13 de maio, enquanto outros
setores desse mesmo movimento, com maior nível de consciência, questionam a forma como tem sido comemorada a
“libertação” dos negros. No dia 13 de maio de 1988, na capital, em São Paulo a comemoração da libertação dos escravos
se dividiu em dois grupos distintos. De um lado, os negros do “13 de maio”, e de outro, os negros do “20 de novembro”,
evidenciando o grau de divisão existente, sem significar, contudo, um retrocesso.
Em todo o mundo, não dá mais para suportar regimes racistas como foi o do “apartheid”, que hoje é apenas uma
referência vergonhosa na história da humanidade. Para eliminar esse câncer, diversos movimentos se engajaram em
defesa dos direitos humanos. Campanhas de solidariedade, concertos de rock contra o “apartheid” foram realizados, em
apoio à luta do ex-preso político Nelson Mandela, o grande ativista negro sul-africano, guindado à condição de líder de sua
nação, com a vitória nas eleições multirraciais.
Comemorar o “13 de maio” ou o “20 de novembro” é denunciar o grau de exploração do negro em nossa sociedade,
é resgatar o seu valor na cultura. Axé! cantam os negros em todos os meios de comunicação.
6. CONDICIONAMENTO PSICO-SOCIAL
O racismo brasileiro é também camuflado, escamoteado pela ideologia dominante de que todos “são iguais”, com
“iguais” oportunidades e direitos, e portanto, se há negros que não chegam “lá”, não ascendem na escala social, é porque
são preguiçosos e não gostam de trabalhar. O próprio negro, se fracassa, é considerado culpado apenas pelo fato de ser
de pele escura, e por isso, “inferior” ao branco.
Para demonstrar essa falácia da sociedade racista, tomam-se como exemplo de comprovação de sua ideologia,
indivíduos que conseguiram “subir na vida”. O caso de Pelé é o mais evidente. Ele representa hoje um dos símbolos
máximos da “inexistência” de preconceito e discriminação raciais, “um negro de alma branca”.
Mesmo aqueles que negam o rótulo de racista, em função de uma espécie de condicionamento psico-social, cultural,
assumem comportamentos racistas. É o branco que se julga superior. É o negro que, introjetando a discriminação racial,
se acha inferior e incapaz.
Os fatores sócio-culturais influenciam o comportamento e produzem, indubitavelmente, condicionamentos
psicológicos, complexos em seu dimensionamento. Devido a esses condicionamentos, o negro se nega a si mesmo.
Para muitos, é o caso do cantor negro, ou ex-negro, Michael Jackson, que alisou o cabelo, fez plástica para mudar seus
traços fisionômicos e embranqueceu, segundo ele, em função de uma doença da pele. Quem compara esse cantor
norte-americano dos tempos do conjunto Jackson Five com o de hoje, vê uma diferença brutal. Antes era negro,
atualmente é quase branco.
Nos Estados Unidos, como no Brasil, negro só é mesmo famoso através da música ou do esporte. Como cantor de
rock ou de samba, jogador de futebol, basquete ou lutador de boxe. Vide o exemplo do lutador brasileiro Maguila, que se
tornou famoso da noite para o dia.
O racismo brasileiro é ainda escamoteado por diversos símbolos criados pelo mito da “democracia racial”. A mulata,
o samba, o carnaval, a feijoada, o futebol, orgulhos de nossa cultura, apresentados como uma espécie de ícone, são
componentes simbólicos de uma cultura hipócrita que não se assume como racista. No entanto, o modelo brasileiro de
beleza não é a mulata. Basta ver a quantidade de mulatas que ganhou o concurso de miss Brasil. É quase zero. O
modelo que nos é passado é o da animadora Xuxa, a apresentadora e escritora Bruna Lombardi, a atriz e ex-miss Brasil,
Vera Ficher, todas brancas. Na música, mesmo com a moda do pagode, do rap, do funk e do reggae, o que mais se ouve
é a música enlatada norte-americana, da pior qualidade, e feita em sua grande maioria por brancos.
A contribuição do negro para a cultura, de um modo geral, ainda é considerada secundária, restringindo-se à música,
à culinária, nada mais.
Em 1951, com a aprovação da Lei Afonso Arinos, a discriminação racial foi colocada na ilegalidade, sem direito a
fiança. Todavia, apesar dessa lei, a violência contra os negros prossegue. A distância entre “a casa grande e a senzala”
ainda não foi superada. Basta ver no mercado de trabalho, a discriminação que existe, onde os não negros conseguem
os melhores postos. Em diversas áreas profissionais, o trabalhador negro possui, amiúde, um salário inferior ao do
branco. E quem não tiver boa aparência, não consegue a vaga. Ou seja, as exigências curriculares mostram de modo
velado a discriminação racial. É muito alta a quantidade de negros que são presos e condenados. Já os “crimes do
colarinho branco”, são quase impossíveis de serem reprimidos.
Foi somente a partir da década de 40 que o negro passou a ser incorporado de modo mais efetivo a um novo
mercado de trabalho, isso após o intenso processo de industrialização iniciado durante a ditadura Vargas. As
oportunidades apenas aumentam, já que anteriormente, em função de uma política racista, de apoio e proteção aos
imigrantes europeus, havia um fosso entre os brancos trabalhadores e os negros ex-escravos. Todavia, o negro é ainda
o que se encontra mais sujeito ao desemprego. não em função de sua suposta incapacidade ou inferioridade, mas por
condicionantes sócio-econômicos, oriundos do passado escravocrata. Ainda hoje, no mercado de trabalho da Grande
São Paulo, é muito comum a associação dos negros e mulatos aos nordestinos, chamados pejorativamente de
“cabecinhas” ou “baianos”2.
De todos os lados o negro é vítima do preconceito e da discriminação raciais, constituindo-se no caso citado, em uma
dupla discriminação, ao negro e ao nordestino. E nem seria necessário de se fazer uma pesquisa mais criteriosa, a fim
de se constatar que na burguesia, quase inexistem negros. No máximo, eles conseguem se situar na camada média da
sociedade, daí para baixo. Obviamente as exceções existem, como no caso de Pelé, Maguila, dos músicos Gilberto Gil e
Jorge Ben Jor, etc. mas cuja ascensão social, como vimos, está associada, quase sempre, diretamente ao esporte ou à
música.
7. O ESPIRITISMO E O RACISMO
A destruição dos preconceitos de casta e de cor é um dos objetivos do Espiritismo. Isso é bem claro na kardequiana.
O progresso da civilização passa, necessariamente, pela abolição de toda e qualquer forma de preconceito. O
Espiritismo, “destruindo os preconceitos de seita, de casta e de cor, ensina aos homens a grande solidariedade que os
deve unir como irmãos.”3
Nesse aspecto, do progresso da Humanidade, o Espiritismo pode ter uma influência muito importante, devido à ampla
visão que oferece, do homem, da sociedade e do cosmos. Antes de se achar sujeito a determinada cultura,
nacionalidade, etnia ou religião, o homem é um ser cósmico, um cidadão do universo. Esse princípio, se bem
compreendido, faz ver a realidade sob uma outra ótica, sem os preconceitos generalizados que se encontram ainda
arraigados na alma humana. Para os Espíritos elevados, “a pátria é o Universo; na Terra, é aquela em que possuem
maior número de pessoas simpáticas.”4
Pelo entendimento dos mecanismos que regem a lei da reencarnação, a superioridade que certos grupos étnicos
atribuem a si torna-se insustentável e até ridícula. Esse tipo de postura discriminatória, existente nas relações entre os
diferentes grupos étnicos, ao lado de diversos fatores de ordem política e econômica, tem gerado as desigualdades
sociais no nosso planeta, constituindo-se num enorme obstáculo para a construção de uma sociedade mais fraterna e
igualitária. Afirmaram os Espíritos a Allan Kardec que essas desigualdades um dia desaparecerão, “juntamente com a
predominância do orgulho e do egoísmo, restando tão somente a desigualdade de mérito. Chegará um dia em que os
membros da grande família dos filhos de Deus não mais se olharão como de sangue mais ou menos puro, pois somente
o Espírito é mais puro ou menos puro, e isso não depende da posição social.”5 Segundo Kardec, todos os homens “são
submetidos às mesmas leis naturais, todos nascem com a mesma fragilidade, estão sujeitos às mesmas dores e o corpo
do rico se destrói como o do pobre. Deus não concedeu, portanto, superioridade natural a nenhum homem, nem pelo
nascimento, nem pela morte, todos são iguais diante d’Ele.”6
A mentalidade racista produziu, na história da humanidade, situações extremadas de discriminação racial, como a
escravidão dos negros africanos, considerada pelo Espiritismo como sendo contrária à Natureza, “pois assemelha o
homem ao bruto e o degrada moral e fisicamente.”7 “Os homens têm considerado, há muito, certas raças humanas como
animais domesticáveis, munidos de braços e de mãos, e se julgam no direito de vender os seus membros como bestas
de carga. Consideram-se de sangue mais puro. Insensatos, que não enxergam além da matéria! Não é o sangue que
deve ser mais ou menos puro, mas o Espírito.”8
A idéia de que o homem possa encarnar como branco, negro, mulato ou índio, estabelece uma ruptura com o
preconceito e a discriminação raciais. Tanto que até hoje, na Inglaterra, muitos adeptos do Neo-espiritualismo rejeitam a
tese da reencarnação, por não admitirem a possibilidade de terem tido encarnações em posições inferiores quanto à raça
e à condição social. Afinal, como se sentiria um indivíduo de mentalidade racista encarnado em uma raça que considere
inferior? Nesse sentido, as questões que reproduzimos abaixo são bem elucidativas.
205. Segundo certas pessoas, a doutrina da reencarnação parece destruir os laços de família, fazendo-os remontar
às existências anteriores.
_ Ela os amplia, em vez de destruí-los. Baseando-se o parentesco em afeições anteriores, os laços que unem os
membros de uma mesma família são menos precários. A reencarnação amplia os deveres de fraternidade, pois no vosso
vizinho ou no vosso criado pode encontrar-se um Espírito que foi de vosso sangue.
205-a. Ela diminui, entretanto, a importância que alguns atribuem à filiação, porque se pode ter tido como pai um
Espírito que pertencia a uma outra raça, ou que tivesse vivido em condição bem diversa?
_ É verdade, mas essa importância se baseia no orgulho. O que a maioria honra nos antepassados são os títulos, a
classe, a fortuna. Este coraria de haver tido como avô um sapateiro honesto, e se vangloria de descender de um gentilhomem
debochado. Mas digam ou façam o que quiserem, não impedirão que as coisas sejam como são, porque Deus
não regulou as leis da Natureza pela vossa vaidade.”9
A diversidade das raças, condição natural do aparecimento do homem na Terra, resultado “do clima, da vida e dos
hábitos”10, não significa, de modo algum, que os homens estabeleçam juízos de valor discriminatório, quanto à origem
étnica de determinados grupos sociais. Para o Espiritismo, todos os homens “são irmãos em Deus, porque são animados
pelo mesmo espírito e tendem para o mesmo alvo.”11
O preconceito e a discriminação raciais constituem também o grande conjunto de circunstâncias existenciais a que os
Espíritos reencarnantes estão sujeitos. Um Espírito, reencarnado num corpo de origem negra, estará sujeito à
discriminação e isso lhe será uma condição, uma contigência evolutiva a ser superada. “Para uns pode ser uma
expiação, para outros uma missão”12, uma nova oportunidade de aprendizado, já que as experiências que ele
experimentará como negro, serão bem diferentes das de outro que reencarne como branco, em função das
desigualdades sociais.
Essas desigualdades são um mal que precisa ser eliminado. Todavia, devido à Lei de Progresso, também são um
bem. Ou seja, são utilizadas sabiamente pela Natureza, no aprimoramento intelecto-moral dos Espíritos.
Portanto, dentro da concepção espírita, não se sustentam visões fatalistas, “cármicas”, que visualizem Espíritos
reencarnados em corpos de origem negra como culpados, algozes do passado. A culpa, se houver, será apenas uma
condição psicológica, imposta pela própria consciência do Espírito reencarnante, sem relação alguma com
arbitrariedades supostamente delegadas pelo “plano espiritual superior”.
São essas concepções fatalistas, baseadas na culpa e no pecado, que levam muitos espíritas e Espíritos a
considerarem os escravos negros como inquisidores, cruzados e senhores feudais reencarnados, ou judeus
massacrados pelos nazistas como hebreus reencarnados. Essas concepções têm mais a ver com a formação religiosa
de certos espíritas e Espíritos do que com a visão evolucionista do Espiritismo. Trata-se de uma concepção distorcida da
reencarnação que, ao invés de servir como um poderoso instrumento de compreensão do processo evolutivo dos seres e
das coisas, funciona como fator de alienação, de ocultamento da realidade.
Com que finalidade um senhor de engenho, por exemplo, tem de reencarnar como negro e sofrer as mesmas dores
que fez os escravos sob o seu poder sofrerem? Seria assim o mecanismo da reencarnação?
Os seres humanos não são coisas, objetos que, sujeitos a uma lei de causa e efeito independente de sua realidade
intelecto-moral, tenham que se submeter a reações esquemáticas, cartesianas. Há uma lógica no processo
palingenésico, mas ela está longe de ser uma lógica mecanicista. Ao contrário, a concepção espírita da palingenesia nos
leva a pensar o processo evolutivo como um continuum caótico, dialético, contraditório. Isso não significa que inexista
uma ordem, necessária e inexorável, ainda desconhecida em sua estrutura básica e no seu detalhamento.
Aquele senhor de engenho, pela sua formação, pela sua inteligência, pode contribuir muito mais para si e para
outros, se concretizar o seu arrependimento na reformulação do próprio processo evolutivo. Ele poderá reencarnar, por
exemplo, como um negro, que sentirá a ânsia, a paixão de lutar pela libertação de sua raça, de modo que muitos
benefícios poderá trazer para a eliminação do racismo. Se tiver vocação pela política, poderá lutar de modo perseverante
a favor da abolição de qualquer resquício, nas leis e na cultura, de preconceitos contra a raça negra, beneficiando assim,
indiretamente, aqueles que ele próprio prejudicou em outras existências. E assim por diante.
As variáveis são muitas, principalmente por que estamos lidando com seres, cuja liberdade volitiva os afasta de
qualquer esquema cármico, a não ser que eles mesmos prefiram seguir, por algum processo de culpa ainda muito pouco
esclarecido, um caminho onde possam vir a expiar a mesma dor que em outros eles provocaram, a fim de sentir o mal
“na mesma pele”. É também um caminho possível, mas que não se constitui em lei, em regra, em um princípio que sirva
a todos os seres. Foi o caminho escolhido por determinado Espírito, apenas isso.
Uma mesma causa pode gerar uma infinidade de efeitos. Isso em relação a objetos. Já em relação às pessoas, aí a
situação se torna ainda mais complexa. A dificuldade de se equacionar, no caso em questão, o fenômeno palingenésico,
se amplia. Ainda mais por que é ele um fenômeno pra lá de fractal. São muitos os componentes, os fatores de
influenciação extremamente variáveis. Trata-se de uma equação com n incógnitas.
Por aí dá para se perceber que a visão mesquinha e rasteira do negro como uma criatura supostamente inferior,
apenas por que nele se encontra reencarnado um espírito “culpado”, não se coaduna com a filosofia espírita, libertária
por natureza. É como se reproduzíssemos o racismo numa nova versão, numa espécie de racismo cármico, que iria
justificar a segregação racial, como foi e ainda é feito em alguns países. Basta ver os conflitos étnicos que há muitos
séculos existem na Índia, desde o tempo dos brâmanes, passando pela época de Gandhi até hoje. É a reencarnação a
serviço do racismo.
Uma doutrina de liberdade, como a espírita, não compactua com nenhuma ideologia que vise a discriminação racial
entre os grupos sociais. O sectarismo racial, segundo o Espiritismo, tende a se tornar coisa do passado. As pessoas e as
nações evoluem. Segundo os Espíritos, “os mundos também se acham submetidos à lei do progresso. Todos começaram
como o vosso, por um estado inferior, e a Terra mesma sofrerá uma transformação semelhante, tornando-se um paraíso
terrestre, quando os homens se fizerem bons.”13 À medida que a humanidade melhora em inteligência e moralidade,
todas as formas de preconceito e segregação tenderão a desaparecer definitivamente. Nesse aspecto, o comentário de
Kardec à questão citada é bem oportuno: “Assim, as raças que atualmente povoam a Terra desaparecerão um dia e
serão substituídas por seres mais e mais perfeitos. Essas raças transformadas sucederão à atual, como esta sucedeu a
outras que eram mais grosseiras.”14
Portando, é dever dos espíritas, imbuídos pelo ideal renovador do Espiritismo, lutar por uma sociedade mais justa e
igualitária, onde o negro e todos os grupos étnicos oprimidos tenham os seus direitos garantidos e respeitados.
Como afirmou o sociólogo Florestan Fernandes, o negro é a “pedra de toque da revolução democrática na sociedade
brasileira.”15 A luta pela verdadeira democracia racial, é uma luta que interessa não somente ao negro, mas a todos os
setores progressistas, inclusive aos espíritas, que estejam efetivamente comprometidos com o processo de
transformação intelecto-moral da sociedade.
8. KARDEC ERA RACISTA?
Esta é uma questão que tem vindo à baila no movimento espírita, em função de alguns textos de Allan Kardec acerca
da raça negra, contidos na Revista Espírita (RE) e em Obras Póstumas.
Na RE de abril de 1862, no texto intitulado “Frenologia Espiritualista e Espírita _ Perfectibilidade da Raça Negra”,
Kardec procura relacionar o Espiritismo com a Frenologia, segundo uma interpretação espiritualista dessa antiga ciência.
No tempo do fundador do Espiritismo, a Frenologia era uma ciência que estava em voga e consistia no estudo das
faculdades humanas a partir da configuração craniana. Desenvolvida pelo médico e anatomista alemão Franz Josef Gall
(1758-1828), chegou a causar uma certa polêmica nos meios acadêmicos da época.
Apesar dessa ciência ser hoje totalmente ultrapassada, interessa-nos algumas conclusões do fundador do
Espiritismo.
Nesse texto, Kardec procura demonstrar que a raça negra é inferior pelo fato dela abrigar Espíritos imperfeitos,
considerando a supremacia do espírito sobre o corpo. Já os frenologistas, interpretavam essa inferioridade pela ótica do
materialismo, descartando a idéia da alma.
Kardec traça uma correlação entre o espírito e o corpo, concluindo que a raça negra, enquanto etnia, jamais atingiria
os níveis de perfeição moral das raças caucásicas. Por sua vez, os Espíritos encarnados na raça negra poderiam chegar,
segundo ele, ao mesmo nível da caucásica, devido à Lei de Progresso.
Pela argumentação de Kardec, nota-se que ele era adepto do Eurocentrismo, ideologia sectária que predominou no
século 19, na Europa, e que considerava a cultura européia como a mais evoluída. E, conseqüentemente, numa
correlação étnica, a raça branca caucasiana seria a raça mais evoluída, superior à negra e à amarela.
Essa colocação torna-se mais evidente na “Teoria da Beleza”, contida em Obras Póstumas, onde Kardec procura
formular uma teoria estética que se caracterizaria pela configuração de um ideal de beleza em conformidade com a Lei
de Progresso, aplicada no nível da evolução material. Ele se apoia em um texto de Charles Richard, desconhecido
pesquisador inglês, intitulado “As Revoluções Inevitáveis no Globo e na Humanidade”, que aborda a tese da
perfectibilidade, da evolução formal da raça humana e de sua beleza fisionômica. Richard cita exemplos comparativos de
fisionomias de personalidades conhecidas da história da humanidade, como Júlio César, Brútus, Cícero, Lívia, a filha de
Agripina, Mossalina, etc. e analisa a fealdade do homem primitivo, até a relativa beleza do homem moderno.
Aproveitando a contribuição de Richard, Kardec parte do princípio da influência do Espírito sobre o corpo, influência
intelecto-moral, que se expressa no formato da matéria corporal. Segundo ele, na medida em que o Espírito evolui, a
matéria vai sofrendo as conseqüências dessa evolução, de modo que possa se adaptar e se adequar, conformando-se
ao estágio evolutivo do Espírito encarnado. Daí Kardec concluir que o ideal de beleza seria o dos Espíritos mais
elevados, dos Espíritos puros.
Quanto à raça negra _ e é esse o aspecto que nos chama mais a atenção _ Kardec a considera primitiva, imperfeita,
feia e anti-estética. Muito aquém de um ideal absoluto de beleza.
Na opinião abalisada do fundador do Espiritismo, sob a ótica da beleza corporal, os brancos são mais belos e
superiores ao negro, cujos “traços grosseiros, os lábios grossos, acusam a materialidade dos instintos. Podem
perfeitamente exprimir as paixões violentas, mas não se prestariam às nuanças delicadas do sentimento e à suavidade de
um Espírito evoluído.”16 E conclui: “eis porque podemos, sem fatuidade, julgarmo-nos mais belos que o negro e o
hotentote.”17
Bastariam esses dois textos para colocar Kardec em situação delicada perante o movimento negro. Todavia, ele era
um homem de seu tempo e sujeito também às injunções culturais, ao sistema de valores de sua época. Cabe lembrar
ainda que as teses arianistas do conde Gobineau, citadas no início, lhe são contemporâneas.
Allan Kardec tinha posições bem reacionárias em relação à mulher, ao socialismo e no caso em questão, ao negro,
como se pode observar em seus escritos na Revista Espírita. Todo homem é prisioneiro de sua época, e por mais larga a
visão que possua, sempre pode-se notar elementos datados em suas ações e reflexões. O fundador do Espiritismo não
passou incólume a essa regra. Antes dele, na França, já havia a Sociedade de Amigos do Negro, sendo o líder
revolucionário Robespierre (1758-1794), seu conterrâneo, um dos expoentes na luta contra o racismo, a discriminação
racial e o tráfico de escravos. Esse aspecto da luta humanista dos iluministas, assim como determinadas reflexões sobre
a questão do racismo _ bem explícitas na obra de Jean Jacques Rousseau _ infelizmente não foram incorporadas por
Kardec, mesmo tendo sido ele muito influenciado pelas teses iluministas.
Mesmo partindo de um sentido estético duvidoso, para desembocar numa conclusão ética da tipologia do negro,
enquanto biotipo supostamente inferior ao branco, isso não significa, de modo algum, que Kardec fosse racista. Isso seria
contrário aos seus princípios éticos e humanistas bem manifestos na sua produção intelectual.
O negro do século 19 não é igual ao negro de hoje, pois com o advento da civilização e da urbanização das cidades,
os negros africanos e de outros países convivem em grupos sociais aptos para a encarnação de Espíritos de maior porte
intelectual, em função das leis de afinidade que regem o processo palingenésico.
Há de se considerar ainda que, no século passado, o conhecimento dos europeus sobre a cultura africana era
escasso. Sociedades africanas de características totêmicas coexistiam nessa época, com culturas alhures bem
organizadas, com uma forma notável de organização estatal, com rei, ministros, militares e funcionários. O negro não era
tão primitivo assim como pensava Allan Kardec.
A visão kardequia do negro tem de ser considerada segundo o contexto histórico em que foi formulada. Seria
incorreto, insistimos, sob o ponto de vista espírita, rotular Allan Kardec de racista, pura e simplesmente. Essa palavra
possui uma carga semântica muito forte, inadequada para definir suas posições. Seria o mesmo que taxá-lo de machista,
devido a suas posições em relação à mulher ou de direitista e ultra-reacionário, pelas posições contrárias ao socialismo e
ao movimento proletário francês.
Todavia, não dá para “dourar a pílula” e ser condescendente com o fundador do Espiritismo. Ele manifestou,
explicitamente, um preconceito em relação ao negro. Longe de ser racista, podemos afirmar que ele foi preconceituoso
para com essa etnia. Mas, por outro lado, não há nenhum indício de que ele tenha discriminado algum indivíduo ou grupo
de origem negra, seja no movimento espírita ou fora dele.
Há, é claro, uma certa dificuldade teórica em separar racismo de preconceito racial e discriminação racial. A princípio,
o preconceito e a discriminação raciais seriam uma decorrência do racismo enquanto ideologia e sistema de
pensamento. No entanto, há de se considerar ainda a brutal diferença entre o comportamento de um membro da seita
racista norte-americana Ku-Klux-Klan e o de um homem comum debochado que gosta de contar piadas de negro. Um
punk skinhead é capaz de espancar e matar um homem apenas por ser negro ou judeu, enquanto o outro, em função da
cultura de tonalidade racista do qual é subproduto, não passaria da piadinha jocosa e cheia de preconceito.
Apesar da atitude preconceituosa de Kardec em relação ao negro, fruto do contexto em que viveu, sua obra sai ilesa
de todas as críticas no sentido ético, de discriminação e preconceito a determinada etnia. A kardequiana é muito maior
do que qualquer triagem filosófica que possa ser feita, imperfeita como toda obra humana, mas coerente em seus
fundamentos e tão atual a ponto de oferecer à sociedade elementos indispensáveis na luta contra o racismo.
9. OS ESPÍRITAS E O RACISMO
A escravidão tem sido encarada por uma grande parte dos espíritas como uma expiação “cármica”, um acerto de
contas com a Divindade, sem considerar aspectos sócio-econômicos e políticos, e sem perceber a presença da ideologia
racista por detrás das injustiças cometidas contra a raça negra.
Isso pode ser observado na obra do Espírito Humberto de Campos, “Brasil Coração do Mundo Pátria do Evangelho”,
psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier e lançada em 1938. Esta obra foi tomada como fundamento
ideológico e bússola do movimento espírita oficial brasileiro, especialmente pela Federação Espírita Brasileira (FEB), em
suas atividades missioneiras. Nessa obra é mais do que evidente a predominância de uma visão distorcida e metafísica
da história, como se esta estivesse subordinada diretamente aos desígnios do “plano espiritual superior”.
Narra o Espírito Humberto de Campos que um tal de anjo Ismael, considerado por ele como o suposto guia espiritual
do Brasil, em uma de suas audiências oficiais com o “Cordeiro de Deus” (Jesus), deixa transparecer sua “angelical
amargura”, ao expor ao “Cordeiro”, sua preocupação para com a escravidão negra. O “Cordeiro”, com toda sua
magnânima serenidade, acalma Ismael, dizendo-lhe que “se não podemos tolher-lhes a liberdade, também não podemos
esquecer que existe o instituto imortal da justiça divina, onde cada qual receberá de conformidade com os seus atos.
Havia eu determinado que a Terra do Cruzeiro se povoasse de raças humildes do planeta, buscando-se a colaboração
dos povos sofredores das regiões africanas; todavia, para que essa cooperação fosse efetivada sem o atrito das armas,
aproximei Portugal daquelas raças sofredoras, sem violências de qualquer natureza. A colaboração africana deveria,
pois, verificar-se sem abalos perniciosos, no capítulo das minhas amorosas determinações.”18
Afirma o “Cordeiro” que devido “à educação condenável e deficiente”19 do homem branco, seus desígnios não
estavam sendo cumpridos, e conclui: “os que praticarem o nefando comércio sofrerão, igualmente, o mesmo martírio,
nos dias do futuro, quando forem também vendidos e flagelados em identidade de circunstâncias (...) Colocarei a minha
luz sobre essas sombras, amenizando tão dolorosas crueldades. Prossegue com as tuas renúncias em favor do
Evangelho e confia na vitória da Providência Divina.“20
Ismael, insatisfeito, ainda insiste e pergunta ao “divino Cordeiro”, se não haveria possibilidade de “orientar a política
dominante, no sentido de se purificar o ambiente moral da Terra de Santa Cruz.”21 O “Cordeiro” responde que a ninguém
cabe cercear os atos de outrem e repete: “cada um será justiçado na pauta de suas próprias obras.”22 Faz ainda
referência aos portugueses colonizadores como o povo remanescente dos antigos fenícios da antigüidade, hoje afetados
pelo orgulho oriundo da riqueza acumulada com as conquistas, e finaliza sua pregação dizendo a Ismael: “se não nos é
possível cercear o arbítrio livre das almas, poderemos mudar o curso dos acontecimentos, a fim de que o povo lusitano
aprenda, na dor e na miséria, as lições sagradas da experiência e da vida.”23
Encerrada a audiência, Ismael retorna à luta, “cheio de fervorosa coragem, e os acontecimentos foram modificados”24
pelo “poder magnânimo e misericordioso” do Cristo, o “Cordeiro de Deus”.
Conforme a narração do Espírito Humberto de Campos, foi dos “ombros flagelados” dos negros que nasceram “lições
comovedoras, imunizando todos os espíritos contra os excessos do imperialismo e do orgulho injustificáveis das outras
nações do planeta, dotando-se a alma brasileira dos mais belos sentimentos de fraternidade, de ternura e de perdão.”25
E por que teriam os negros sofrido tanto com a escravidão? Muito simples. Os escravos seriam, segundo Humberto,
“os antigos batalhadores das cruzadas, senhores feudais da Idade Média, padres e inquisidores, espíritos rebeldes e
revoltados, perdidos nos caminhos cheios da treva das suas consciências polutas.”26
Seguindo a lógica desse raciocínio “cármico”, os negros sul-africanos, vítimas durante muitas décadas do apartheid,
do racismo legalizado, seriam quase sem sombra de dúvida, os traficantes de escravos, os senhores de engenho, os
capitães do mato, todos agora reencarnados nesse país, para sofrerem as conseqüências de seus próprios atos. Posição
insustentável, como vimos, à luz da filosofia científica do Espiritismo.
Interessante é que Humberto de Campos não faz menção aos índios, vítimas de hediondo genocídio causado pelos
bandeirantes portugueses. E os milhões de povos indígenas trucidados pelos espanhóis? E a cultura inca, maia e asteca,
todas trucidadas também pelos imperialistas de Castela? Teriam sido algozes do passado? Essa interpretação contábil
do processo evolutivo dos seres e dos povos, perde-se numa cadeia sem fim, num emaranhado de projeções
mecanicistas das circunstâncias históricas. Quem teria atirado a primeira pedra? Aonde a origem de todo esse conflito
existencial?
No movimento espírita, as análises que têm sido feitas da questão do racismo e da escravidão negra, deixam
transparecer as influências da teoria arianista, da visão positivista e idealista da história, que desconsidera os fatos em
sua dinâmica, em suas contradições. É só observar a grande maioria dos periódicos espíritas, que em 1988, ano do
centenário da abolição, publicaram chamadas, ilustrações e artigos de consistência duvidosa. Muitas destas publicações
deram em sua primeira página, a foto da “Redentora”, da Princesa Isabel, considerada a libertadora dos escravos, mas
que na verdade, no processo de desagregação da ordem escravista, teve um papel subalterno e secundário. Já
Humberto sustenta que a “Redentora” foi verdadeiramente missionária, que reencarnou “com a tarefa definida no
trabalho abençoado da abolição.”27 Talvez, devido a essa tarefa supostamente assumida por Isabel no mundo dos
Espíritos, é que D. Pedro II se afasta do trono “por motivos de saúde”, deixando-o vago (!?). Na narração de Humberto,
nota-se que os Espíritos teriam armado um esquema de bastidores, a fim de afastar o imperador e permitir a entrada,
novamente em cena, da princesa pela terceira vez, para assinar A Lei Áurea. É até possível que os Espíritos tenham
provocado o afastamento de D. Pedro II do trono. No entanto, é pura ingenuidade considerar a Princesa Isabel como a
grande protagonista desse cenário histórico. Se ela não tivesse reencarnado não faria muita diferença. Pela própria força
das coisas, segundo a expressão dos Espíritos, a escravidão negra, em 1888, já estava dando os seus últimos suspiros.
Costuma-se negar que haja qualquer tipo de influência racista no movimento espírita. No entanto, temos de
considerar que esse é um movimento onde a classe média predomina, trazendo consigo para o seu interior, todos os
preconceitos típicos dessa camada social. Sem esquecer que na classe média, a quantidade de brancos é bem pequena.
A classe dirigente do movimento espirita brasileiro é, em sua grande maioria, de origem branca. Os negros são sempre
minoria.
Quantos dirigentes de centros espíritas e sessões mediúnicas não têm negado a palavra a determinados Espíritos
por se apresentarem como índios e pretos velhos, julgando-os inferiores, devido à ascendência étnica de sua encarnação
pregressa? O preto velho é o que mais sofre. Muitas receitas, ervas e chás que essa entidade receita, quando se
manifesta em terreiros de umbanda, só adquiriram o seu devido valor quando obtiveram a chancela da medicina oficial.
Comunicação no centro espírita, nem pensar, mesmo que seja sem os aparatos típicos a que ele está acostumado
(charuto, marafo, roupa branca, vela, etc.).
A respeito da manifestação de índios e pretos velhos nas sessões mediúnicas, o filósofo espírita Herculano Pires
tece interessante abordagem e analisa o espanto de algumas pessoas impregnadas, segundo ele, “de antigos
preconceitos”. Herculano considera também a possibilidade de que tais fenômenos ocorrem no meio espírita como “uma
ação programada no sentido de mostrar a iniqüidade das discriminações raciais.”28
O movimento espírita, como qualquer outro movimento, seja ele qual for, sofre as influências do meio cultural. Na
nossa cultura, o sentimento racista se expressa, como vimos, das mais variadas formas. Ela está toda impregnada por
este sentimento, que condiciona os valores e o comportamento dos grupos sociais. Não há no movimento espírita o
racismo manifesto. Ele não é um movimento como o dos skinheads, por exemplo, que se engajam em uma cruzada
segregacionista contra os negros, judeus e nordestinos. Todavia, as pessoas que o compõem se acham mergulhadas
numa atmosfera tal que as conduz a comportamentos que poderíamos classificar como racistas. Apesar de serem
ideologicamente contra qualquer manifestação racista, podem assumir, sem perceberem, comportamentos nitidamente
discriminatórios em relação ao negro, até de modo inconsciente.
Pode-se citar o exemplo do conhecido orador carioca Raul Teixeira, de origem negra, chamado de divaldo preto,
dadas as semelhanças de sua oratória e gesticulação com a do conferencista baiano Divaldo Pereira Franco. É claro,
que na maioria das vezes, esse apelido é usado de modo aparentemente carinhoso, porém, já presenciamos situações
em que era evidente o preconceito racial, pelo modo jocoso como ele foi usado.
Com o advento dos movimentos de consciência negra, religiões afro-brasileiras como a Umbanda, o Candomblé, o
Carimbó, etc. passaram a ser mais valorizadas e encaradas como autênticas manifestações da religiosidade nacional,
em que pese as influências do cristianismo e do Espiritismo sobre elas.
Afirma o jornalista Ubiratan Machado que “ao lado do kardecismo, desenvolveu-se um vigoroso espiritismo popular.
Em alguns momentos, a vitalidade deste chegou a parecer uma ameaça, porém, era apenas aparente. O caminho dos
vários espiritismos, apesar dos atalhos de ligação e das influências recíprocas, sempre foram distintos.”29
Essa distinção, colocada por Ubiratan Machado quanto às relações entre o Espiritismo e as religiões sincréticas, entre
os vários espiritismos, atualmente ganha outras nuances com o movimento negro, a ponto de se estabelecerem nítidas
peculiaridades entre Umbanda e Espiritismo, por exemplo, em nível terminológico e semântico. Isso porque, para muitos
líderes negros, ”Espiritismo é coisa de branco, é elitista, e foi fundado por um branco europeu”. E a Umbanda, uma
religião de negros, uma religião de massas. Através dela o povo tem livre acesso à manifestação mediúnica, enquanto
que o Espiritismo, pela sua própria natureza filosófico-científica, confere a essas manifestações um tipo de tratamento
diferenciado, metodológico e bem mais reservado.
De certo modo, o avanço do movimento negro tem uma contrapartida favorável à divulgação do Espiritismo. Na Bahia,
por exemplo, onde os movimentos são bem organizados (vide Olodum, Afoxé Filhos de Gandhi, Timbalada, etc.), não
existe a confusão que se faz, no sul do Brasil, entre Espiritismo e Umbanda, principalmente porque a religião afrobrasileira
lá é bem desenvolvida e disseminada. Enquanto que no sul, além do preconceito, há muita desinformação
acerca desse tema.
10. RACISMO ATÁVICO
A raça adâmica, constituída por Espíritos emigrados de outros planetas, tese primeiramente desenvolvida por Allan
Kardec em A Gênese (cap. XI), ganhou desdobramentos através da obra do Espírito Emmanuel e do fundador da Aliança
Espírita Evangélica, Edgard Armond.
Para Emmanuel, foi com esses Espíritos exilados de Capela, uma estrela da constelação de Cocheiro, “que
nasceram no orbe os ascendentes das raças brancas.”30 As raças negra e amarela, autóctones, já existiam antes da
branca, teoria reafirmada por Edgard Armond em sua obra, Os Exilados de Capela, conforme informações colhidas do
esoterismo mas, segundo ele, através da inspiração. Para Armond, que se fundamenta claramente na tradição esotérica,
a quinta raça, a branca, seria “a última, no tempo, e a mais perfeita que apareceu na Terra, como fruto natural de um
longo processo evolutivo”31. Estes seriam os aryas, “os homens da gloriosa quinta raça.”32
O fundador do Espiritismo não faz referência explícita ao surgimento da raça branca, a não ser na vinculação da raça
adâmica à figura de Adão, daí esse nome. “Mais adiantada do que as que a tinham precedido neste planeta, a raça
adâmica é, com efeito, a mais inteligente, a que impele ao progresso todas as outras. A Gênese no-la mostra, desde os
seus primórdios, industriosa, apta às artes e às ciências, sem haver passado aqui pela infância espiritual, o que não se dá
com as raças primitivas.”33 Kardec considera as raças negras, mongólicas e caucásicas, como de origem própria,
nascidas, segundo ele, simultaneamente ou de modo sucessivo, em diversos pontos do planeta. Tese esta que corrobora
as assertivas de O Livro dos Espíritos, como se vê no item IV, Diversidade das Raças Humanas (Livro Primeiro, cap. III -
Criação) , que reproduzimos a seguir:
52. De onde vem as diferenças físicas e morais que distingüem as variedades de raças humanas na Terra?
_ Do clima, da vida e dos hábitos. Dá-se o mesmo que se daria com duas crianças da mesma mãe, que, educadas
uma longe da outra e de maneira diferente, não se assemelhassem em nada quanto ao moral.
53. O homem apareceu em muitos pontos do globo?
_ Sim, e em diversas épocas, e é essa uma das causas da diversidade das raças; depois, o homem se dispersou
pelos diferentes climas, e aliando-se os de uma raça aos de outras, formaram-se novos tipos.
53-a. Essas diferenças representam espécies distintas?
_ Certamente não, pois todos pertencem à mesma família. As variedades do mesmo fruto acaso não pertencem à
mesma espécie?
54. Se a espécie humana não procede de um só tronco, não devem os homens deixar de considerar-se irmãos?
_ Todos os homens são irmãos em Deus, porque são animados pelo espírito e tendem para o mesmo alvo. Quereis
sempre tomar as palavras ao pé da letra.
Admitindo-se essa teoria, é bem possível que, por causa das características intelecto-morais dos capelinos, bem
superiores à dos Espíritos já reencarnados na Terra, tenha surgido uma espécie de racismo atávico, seria um racismo
primordial, que viria talvez justificar a ideologia de superioridade racial para esses Espíritos, facilmente perceptível nas
castas da Índia e na “vaidosa aristocracia espiritual” dos hebreus, conforme a expressão emmanuelina.
Todavia, sob um outro enfoque, poderíamos considerar essa teoria como corolário de uma certa dose de preconceito
racial contra a raça negra e a amarela, cuja origem étnica seria supostamente inferior à branca, um biotipo mais
evoluído(?) e adequado à encarnação de Espíritos mais desenvolvidos.
Edgard Armond e Emmanuel não explicam como surgiu, em termos genéticos e biofísicos, a raça branca. E em que
sentido ela seria mais evoluída tipologicamente às demais raças. Por ora, faltam maiores informações para que esta
teoria tenha a fundamentação desejada por muitos de seus adeptos mais extremistas, cuja formulação se aproxima
inegavelmente da teoria arianista de Gobineau e do Eurocentrismo.
Isto posto, há outro aspecto que é interessante observar. Trata-se da mentalidade racista que certos povos e
Espíritos carregam e trazem consigo ao reencarnarem, seja por orgulho ou auto-preservação.
As informações dos Espíritos contribuem para ilustrar a característica de certos povos, como os hebreus, os hindusarianos,
os egípcios, etc. pois, através de estudos sociológicos e antropológicos, pôde-se notar, no seu sistema de
valores, a presença de uma ideologia racista. Em nossos dias temos exemplos marcantes de nações racistas, em função
das circunstâncias sociais e econômicas, e do nível moral dos Espíritos reencarnados. Mesmo com a queda do regime
do apartheid, a Africa do Sul é um exemplo a ser lembrado. E isso ocorre também nos grupos sociais, como é o caso dos
sionistas, de alguns esquadrões de extermínio, dos anti-semitas e tantos outros que se engajam numa luta sectária
contra determinadas etnias ou grupos sociais. Os skinheads, exemplo já citado, é um dos grupos que mais explicitam a
incorporação da ideologia racista. Tanto que esses punks anti-semitas incorporaram, em seu comportamento, toda a
simbologia nazista e lêem assiduamente a obra My Kempf, escrita por Adolph Hitler, o célebre líder dos nazistas. Não
estariam aí nazistas reencarnados?
11. CONCLUSÃO
O racismo é um desse sistemas que tendem a desaparecer, na medida em que a humanidade evolui e adquire novos
conhecimentos, valores e virtudes que não fiquem somente no papel, ou no mero discurso de religiosos hipócritas e
humanistas de segunda classe.
No Brasil, a discriminação racial já é caso de polícia. Sob o ponto de vista ético, o preconceito e a discriminação
raciais se tornaram intoleráveis. A legislação prevê penalidades àqueles que desrespeitarem o direito de um cidadão,
apenas por pertencer a determinada etnia, considerada “inferior”. Mesmo com o crescimento de grupos anti-semitas
como os neonazistas, no nosso país e no mundo, não há como retroceder a antigos valores espúrios, que tanto mal
trouxeram à humanidade.
Há muito ainda que se avançar nesse campo. Somente o próprio negro poderá conquistar seu espaço na cultura, em
todas as áreas do conhecimento. Ninguém fará por ele aquilo que deve ser feito para o seu próprio bem estar. Do mesmo
modo, as etnias da Europa Oriental, da antiga “cortina de ferro”, terão de se organizar se quiserem que sua voz seja
ouvida e seus direitos garantidos, bem como as comunidades negras de toda a África, e de todos os grupos étnicos
discriminados em qualquer parte do planeta.
O racismo, talvez por ter sido considerado como uma questão menor pelo movimento espírita, é um tema pouco
abordado. A bibliografia é escassa. Na década de 40, o filósofo espírita David Grossvater, da Venezuela, de ascendência
judaica, em alguns momentos de sua obra, ainda desconhecida no Brasil, chegou a abordar o tema. Os pensadores
espíritas brasileiros Herculano Pires e Deolindo Amorim, de “en passant”, também se referiram ao racismo, mas sem se
debruçar com maior profundidade.
A questão das minorias, a questão da mulher, dos homossexuais, das etnias discriminadas, dentre outras, não
podem ser desprezadas. Isso significa inserir o Espiritismo na modernidade e assim, enfrentar toda a problemática
existencial de nosso tempo, sem o receio de reavaliar _ segundo uma re-leitura crítica, contextualizada e qualitativa _
determinadas posições de Allan Kardec e dos Espíritos que participaram da estruturação da filosofia espírita.
Se as novas gerações de espíritas não realizarem essa tarefa, o movimento espírita corre o risco de ficar como
aquele sujeito da música “A Banda”, de Chico Buarque, que “estava à-toa na vida” e foi à janela “pra ver a banda passar”.


Timidez e preconceito
Bookmark and  Share

Timidez e preconceito

por Flávio Bastos - flaviolgb@terra.com.br

"A timidez, inesgotável origem de tantas infelicidades na vida prática, é a causa direta, mesmo única, de toda a riqueza interior" (Emil Cioran)

Não seria um exagero afirmarmos que existe entre nós uma espécie de "ditadura da extroversão", fenômeno gerado pelo fato de priorizarmos, a partir da educação infantil, valores materialistas que combinam com os valores da sociedade de consumo na qual estamos todos inseridos. Porém, este artigo não tem a intenção de aprofundar no sentido sociológico ou psicológico desta questão e, sim, possibilitar ao leitor que faça a sua reflexão a respeito do tema em análise.

Esta abordagem é baseada em uma realidade social: a existência de pessoas consideradas tímidas ou retraídas que geralmente procuram no atendimento psicoterapêutico, a razão de se sentirem diferentes ou à parte de um modelo comportamental vigente na sociedade, que foca na extroversão, o traço de personalidade ideal para que o indivíduo vença na vida...

No entanto, na intimidade dos consultórios, percebemos que essas pessoas catalogadas como "introvertidas" pela ótica de valores da produção e do lucro, possuem em sua maioria, potencialidade intelectual e criativa que permanece latente, ou seja, à espera de uma oportunidade de serem compreendidas e aceitas no "mundo dos extrovertidos". Na verdade, são indivíduos estigmatizados - e sutilmente discriminados - por um modelo sócio-comportamental que exige da pessoa, a "marca da extroversão na testa" como condição básica para conseguir sucesso na vida...

Ledo engano! Há milhares de anos, o homem persegue a fórmula do equilíbrio vital, que não está nos extremos, mas no meio de forças antagônicas que ao se aproximarem, se completam. Há séculos, as ricas culturas religiosas da India e da China dominam esse conhecimento, que somente a partir do Terceiro Milênio começa a difundir-se no mundo ocidental como nova diretriz para o processo de autoconhecimento do indivíduo.

O que seria da humanidade se existissem somente indivíduos extrovertidos ou introvertidos? Certamente , haveria entre nós, seres dotados de inteligência, um desequilíbrio de proporções desconhecidas ou inimagináveis, que teria repercussão no âmbito social e alterado completamente os estudos sobre a natureza humana baseada em sua heterogeneidade comportamental.

O Dicionário da Lingua Portuguesa, define o termo "preconceito" como uma idéia preconceituosa, em geral sem fundamento; intolerância. O mesmo dicionario define o indivíduo "tímido" como aquele que tem temor, receio ou que apresenta dificuldade de relacionamento social. E completa com sinônimos: "acanhado, retraído, débil, frouxo".

Se considerarmos as suas características comportamentais, o tímido é um indivíduo "introvertido", ou seja, voltado para dentro de si ou para a própria vida interior, ou ainda, uma pessoa "introspectiva" que tem o hábito de examinar os próprios pensamentos e sentimentos.

Pelo mesmo ângulo de análise do comportamento humano, temos o antônimo de introversão, que é a pessoa considerada "extrovertida", de fácil relacionamento social, comunicativa, expansiva e que por isso, expressa mais seus pensamentos e sentimentos...

Se entre nós houvesse a predominância absoluta de um desses dois traços de personalidade individual humana, perderíamos, com a inexistência de indivíduos extrovertidos, parte de nossa capacidade criativa aplicada nas grandes realizações e descobertas, assim como grande parte do entusiasmo que move o progresso material dos povos através de iniciativas pessoais nos âmbitos social, econômico, político e científico de uma maneira geral. E com a falta de indivíduos introvertidos, a humanidade perderia a sua capacidade de interiorização filosófica, científica - através da pesquisa e investigação -, e transcendental-religiosa, o que tornaria o homem mais dependente do imediatismo decorrente de seus pensamentos, emoções e sentimentos.

Portanto, a timidez - ou introversão - não leva consigo o "atestado" da impotência ou da doença,e, sim, um traço de personalidade passível de mudança no sentido de que o indivíduo busque uma melhor conexão com a expansividade natural que a vida lhe oferece. O mesmo raciocínio aplica-se à extroversão como um traço de personalidade em que o extrovertido também deve buscar uma melhor conexão com a capacidade de interiorização que a vida costuma oferecer...

A partir do Terceiro Milênio, gradualmente, o comportamento humano começa a sofrer alterações, e o equilíbrio comportamental entre a capacidade criativa do extrovertido e a capacidade reflexiva do introvertido, torna-se referência para aqueles que desejam evoluir e mudar seus conceitos - e preconceitos - baseados em modelos sócio-culturais. Vejamos o exemplo dos Estados Unidos e da India, embora essa nação seja considerada emergente na avaliação do modelo capitalista. São realidades distintas, isto é, E.U.A a meca do capitalismo e de valores materialistas, e a India, referência mundial de religiosidade e de valores espiritualistas. E dessa forma, entre o oriente e o ocidente, teríamos vários exemplos a registrar...

Quando percebermos o preconceito gerado pela introjeção de valores materialistas que incidem sobre a distinção que fazemos entre uma pessoa considerada extrovertida, portanto aberta, expansiva e comunicativa, e outra, considerada introvertida, portanto "frouxa, retraída e débil", conforme sinônimos encontrados no dicionario, verificaremos, que através de imperceptíveis valores culturais internalizados, sutilmente discriminamos o traço tímido-introvertido de personalidade que deveria coexistir em harmonia com o tipo expansivo-extrovertido.

Informa-nos um dito popular "que na natureza humana os extremos se completam". É justamente esse olhar... essa percepção que precisamos aguçar para entendermos que introversão e extroversão completam-se no centro, isto é, no ponto de encontro de suas diferenças fundamentais. E que, independente do paradígma materialista que ofusca a nossa visão interdimensional, devemos sair em busca desse ponto de equilíbrio até atingirmos a completude e felicidade possível.

Em relação ao comportamento humano, talvez esse seja o nosso maior desafio do Terceiro Milênio: encontrar a unidade entre os polos energéticos que predominam na natureza humana. E a partir desse processo íntimo, cada indivíduo, seja ele reservado ou expansivo, caminhar ao encontro daquilo que lhe falta no atual momento de sua existência terrena, porque tudo é aprendizado e jamais aprenderemos se não sairmos em busca do que precisamos para transformar a si mesmo e ao mundo em que vivemos.

Psicanalista Clínico e Interdimensional.

www.flaviobastos.com

Dirigente mediúnico espírita

Nenhum comentário:

Postar um comentário