quinta-feira, 22 de julho de 2010

Você sabe amar? Eu estou aprendendo.




VOCÊ SABE AMAR?

“Estou aprendendo a aceitar as pessoas, mesmo quando elas me desapontam. Quando fogem do ideal que tenho para elas, quando me ferem com palavras ásperas ou ações impensadas. É difícil aceitar as pessoas assim como elas são, não como eu desejo que elas sejam. É difícil, muito difícil, mas estou aprendendo. Estou aprendendo a amar. Estou aprendendo a escutar, escutar com os olhos e ouvidos, escutar com a alma e com todos os sentidos.

Escutar o que diz o coração, o que dizem os ombros caídos, os olhos, as mãos irrequietas. Escutar a mensagem que se esconde entre as palavras corriqueiras, superficiais; descobrir a angústia disfarçada, a insegurança mascarada, a solidão encoberta. Penetrar o sorriso fingido, a alegria simulada, a vangloria exagerada.

Descobrir a dor de cada coração. Aos poucos, estou aprendendo a amar.

Estou aprendendo a perdoar. Pois o amor perdoa, lança fora as mágoas, e apaga as cicatrizes que a incompreensão e insensibilidade gravaram no coração ferido. O amor não alimenta mágoas com pensamentos dolorosos. Não cultiva ofensas com lástimas e autocomiseração. O amor perdoa e esquece, extingue todos os traços de dor no coração. Passo a passo estou aprendendo a perdoar, a amar.

Estou aprendendo a descobrir o valor que se encontra dentro de cada vida, de todas as vidas. Valor soterrado pela rejeição, pela falta de compreensão, carinho e aceitação, pelas experiências vividas ao longo dos anos. Estou aprendendo a ver nas pessoas a sua alma e as possibilidades que Deus lhe deu. Estou aprendendo.

Mas como é lenta a aprendizagem. Como é difícil amar. Todavia, tropeçando, errando, estou aprendendo. Aprendendo a pôr de lado as minhas próprias dores, meus interesses, minha ambição, meu orgulho quando estes impedem o bem-estar e a felicidade de alguém. Como é duro amar. Eu estou aprendendo. E você? Sabe amar?”



O Maior Amigo


Chamo-me Amor




Quando o desalento te invadir a alma e as lágrimas te aflorarem aos olhos, busca-Me:
Eu sou Aquele que sabe sufocar-te o pranto e estancar-te as lágrimas;

Quando te julgares incompreendido pelos que te circundam, e vires que em torno a indiferença recrudesce acerca-te de Mim:
Eu sou a Luz, sob cujos raios se aclaram a pureza de tuas intenções e a nobreza de teus sentimentos;

Quando se te extinguir o ânimo, as vicissitudes da vida, e te achares na iminência de desfalecer, chama-Me:
Eu sou a Força, capaz de remover-te as pedras dos caminhos e sobrepor-te às adversidades do mundo;

Quando, inclementes, te açoitarem os vendavais da sorte e já não souberes onde reclinar a cabeça, corre para junto de Mim:
Eu Sou o Refúgio, em cujo seio encontrarás guarida para o teu corpo e tranquilidade para o teu espírito;

Quando te faltar a calma, nos momentos de maior aflição, e te julgares incapaz de conservar a serenidade de espírito, invoca-Me:
Eu sou a Paciência, que te faz vencer os transes mais dolorosos e triunfar nas situações mais difíceis;

Quando te abateres nos paroxismos da dor e tiveres a alma ulcerada pelos abrolhos dos caminhos, grita por Mim:
Eu sou o Bálsamo, que te cicatriza as chagas e te minora os padecimentos;

Quando o mundo te iludir com suas promessas falazes e perceberes que já ninguém pode inspirar-te confiança, vem a Mim:
Eu sou a Sinceridade, que sabe corresponder à fraqueza de tuas atitudes e à excelcitude de teus ideais;

Quando a tristeza e a melancolia te povoarem o coração e tudo te causar aborrecimento, chama por Mim:
Eu sou a Alegria, que te insufla alento novo e te faz conhecer os encantos de teu mundo interior;

Quando, um a um, te fenecerem os ideais mais belos e te sentires no auge do desespero, apela para Mim:
Eu sou a Esperança que te robustece a fé e acalenta os sonhos;

Quando a impiedade se recusar a relevar-te as faltas e experimentares a dureza do coração humano, procura-Me:
Eu sou o Perdão, que te eleva o ânimo e promove a reabilitação de teu espírito;

Quando duvidares de tudo, até de tuas próprias convicções, e o cepticismo te avassalar a alma, recorre a Mim:
Eu sou a crença, que te inunda de luz o entendimento e te reabilita para a conquista da felicidade;

Quando já não aprovares a sublimidade de uma afeição sincera e te desiludires do sentimento de teu semelhante, aproxima-te de Mim:
Eu sou a Renúncia, que te ensina a olvidar a ingratidão dos homens e a esquecer a incompreensão do mundo;

Quando, enfim, quiseres saber Quem Sou, pergunta ao riacho que murmura, e ao pássaro que canta; à flor que desabrocha e à estrela que cintila, ao moço que espera e ao velho que recorda.
Eu sou a Dinâmica da Vida e a Harmonia da natureza; Chamo-me Amor.



Emmanuel - Chico Xavier

Personas para Firefox | Shiretoko Range

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APRENDER E ENSINAR




    Quando você ignore um assunto, tenha a honestidade de dizê-lo, sem qualquer constrangimento.
    Sempre haverá conhecimentos que lhe escaparão.
    Melhor reconhecer a própria ignorância e aprender, do que aparentar possuir informações desconhecidas.
    Experimente ouvir o interlocutor com serenidade, não o interrompendo a pretexto de demonstrar sua cultura.
    Sempre se aprende quando se tem perspicácia para ouvir e reflexionar.
    Quando se toma a palavra sem preparo ou com ele, pode-se demonstrar ser um bom falante, nunca, porém, se revelará um sábio.
    São muitos os que se fazem professores, ensinando aos outros o que logram realizar.
    Os verdadeiros mestres, sem embargo, esclarecem pelo exemplo, usando a palavra somente quando isto se faz indispensável.
    Em face da onda de angústia que asfixia as criaturas, proponha-se auxiliar sem vozerio nem imposições verbais.
    Coopere com amizade e estimule com paciência para que a vítima se libere da carga emocional constritiva.
    Se alguém diz disparates a que empresta falsa autoridade, não se sobreponha com o verbo contundente, aparentando o propósito de corrigir e ensinar.
    Não solicitado, mantenha-se discreto.
    As disputas verbais exibem contendores insensatos.
    Se pretendem defender causas ou ideais nobres, doutrinas ou filosofias superiores, perdem-nas quando se apresentam vitoriosos, triunfando sobre os combalidos que raramente se julgam vencidos.
    Aprenda com serenidade.
    Nenhum mestre surgiu pronto, concluído, sem haver passado pela fase de aprendizagem.
    A única exceção, na Terra, é Jesus.
    Todos os demais cresceram sob o calor da lição até que se transformaram em conhecimentos vivos.
    Somente quem sabe ouvir, para aprender, tem recursos para ensinar.
    Espírito Marco Prisco, Médium Divaldo Franco

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Amar ao Próximo como a Si Mesmo

Sérgio Biagi Gregório

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Contexto em que a Frase foi Proferida. 3. O Amor. 4. O Próximo. 5. O Si Mesmo. 6. Amor ao Próximo e a Violência. 7. Praticando o Amor ao Próximo. 8. Conclusão. 9. Bibliografia Consultada

1. INTRODUÇÃO

O objetivo deste estudo é analisar cada um dos termos da frase, ou seja, "o amar", "o próximo" e "o si mesmo", extraindo daí conhecimentos mais profundos sobre o alcance moral de tal assertiva.

2. CONTEXTO EM QUE A FRASE FOI PROFERIDA

O contexto é o do Novo Testamento. O Novo Testamento faz parte da Bíblia e retrata a vida e obra de Jesus Cristo. Jesus Cristo, quando esteve encarnado, viveu em lugares administrados pelos governadores romanos, que impunham o seu poder de forma arbitrária, sobrecarregando os habitantes da Palestina e demais regiões. A pregação evangélica de Jesus não tinha outro senão o caráter de libertação desse jugo. A frase lapidar "dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus" caracteriza bem esse momento histórico: se o povo da Palestina era obrigado a pagar o impostos, deveria fazê-lo, porém jamais se esquecendo de reverenciar a Deus.

O texto evangélico diz o seguinte: "Os fariseus, tendo sabido que ele tinha feito calar a boca aos Saduceus, reuniram-se; e um deles, que era doutor da lei, veio lhe fazer esta pergunta para o tentar: Mestre, qual é o maior mandamento da lei? Jesus lhe respondeu: Amareis o Senhor vosso Deus de todo o vosso coração, de toda a vossa alma, e de todo o vosso espírito; é o primeiro e o maior mandamento. E eis o segundo que é semelhante àquele: Amareis o vosso próximo como a vós mesmos. Toda a lei e os profetas estão contidos nestes dois mandamentos". (Mateus, 22, 34 a 40)

Essas duas frases, juntas, transformam-se no 11.º Mandamento, ou seja, "Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo", e que resume toda a doutrina de Jesus.

3. O AMOR

Amor do lat. amore é um vocábulo polissêmico, ou seja, suscetível de diversas definições. Por isso, diz-se que o amor não é definível, visto encerrar uma vastíssima escala de genitivos e de nominativos. Concede-se, porém, algumas aproximações, na maioria das vezes distantes do conteúdo amplo que o termo encerra.

Na cultura grega, amar implica o conhecer e o conhecer implica o amar.

Na cultura judeo-cristã ou bíblica, o amor não partirá do mundo nem do homem, mas de Deus. Fundado no amor divino, o amor humano será ativo, histórico, concreto e terá na imitação do próprio Deus, designadamente através de Cristo - imitatio Christi - o seu grande motor. (Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado)

Embora o termo amor seja polissêmico, nada nos impede de defini-lo como "a totalidade dos sentimentos e desejos que estruturam o pensamento para a liberação de energia e de forças que guiam a ação na produção do bem e possibilitam a aquisição de qualidades, constituintes do crescimento do Espírito". (Curti, 1981, p.81)

Lembremo-nos de que esta palavra é sempre ativa, ou seja, parte do sujeito para o exterior. Nesse sentido a frase "estar caído por alguém" pode ser colocada em dúvida, pois estar caído é estar subitamente no chão, submisso, passivo, o que contraria o elemento dinâmico que o termo implica.

4. O PRÓXIMO

Cada pessoa em particular (parente, amigo etc.); o nosso semelhante: Amar o próximo como a si mesmo; o conjunto de todos os homens.

A Parábola do Bom Samaritano ajusta-se bem à reflexão sobre "quem é o meu próximo".

O que nos diz essa Parábola?

"E eis que se levantou um doutor da lei e lhe disse: Mestre, que ei de fazer para entrar na posse da vida eterna? Disse-lhe então Jesus: Que é que está escrito na lei? Como a lês tu? Ele, respondendo, disse: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo. E Jesus lhe disse: Respondeste bem, faze isso e viverás.

Mas ele, querendo justificar-se, disse a Jesus: E quem é o meu próximo? Jesus, prosseguindo disse-lhe:

Um homem descia de Jerusalém a Jericó e caiu nas mãos de salteadores, que o despojaram e se foram, deixando-o semimorto. Aconteceu que pelo mesmo caminho desceu um sacerdote, que o viu e passou de largo. Do mesmo modo um levita, que também foi ter àquele lugar, viu o homem e passou de largo. Um Samaritano , porém, seguindo o seu caminho, veio onde estava o homem e ao vê-lo se encheu de compaixão. Aproximou-se dele, pensou-lhe as feridas, deitando nelas óleo e vinho, colocou-o sobre a sua alimária e o levou para uma hospedaria, onde cuidou dele. No dia seguinte, tirou dois denários e os deu aos hospedeiro, dizendo: Trata desse homem e na minha volta te pagarei tudo quanto despenderes a mais.

Qual dos três te parece que tinha sido o próximo daquele que caiu nas mãos dos salteadores? Respondeu o doutor da lei: O que para com ele usou de misericórdia (o que é?). Pois vai, disse-lhe Jesus, e faze o mesmo". (Lucas, 10, 25 a 37).

Jesus quis demonstrar com essa parábola que a caridade, a salvação da alma independe do credo religioso que se professa. Importa auxiliar o próximo independentemente dele professar ou não a nossa religião.

5. O SI MESMO

Para entender a profundidade desta frase, deveríamos partir de nós mesmos, ou seja, cada qual procurando conhecer a si mesmo. Mas será isso possível? Como?

Sócrates, na sua maiêutica, levava cada um de seu interlocutor a refletir sobre si mesmo no sentido de tomar consciência da sua própria ignorância, e com isso adquirir o verdadeiro conhecimento. Como o conhecimento tinha relação com o bem, quanto mais a pessoa sabia, menos mal praticava. A título de ilustração, convém diferenciar o termo ter conhecimento do conhecer. Ter conhecimento é memorizar, é saber de cor, é estudar para passar de ano. Conhecer, por outro lado, é processo sempre ativo de aprimoramento pessoal.

Na resposta à pergunta n.º 876 — Fora do direito consagrado pela lei humana, qual a base da justiça fundada sobre a lei natural? — de O Livro dos Espíritos, há alusão a uma frase, semelhante a esta, dita por Cristo: "Querer para os outros os que quereis para vós mesmos". Os Espíritos orientam-nos que o "critério da verdadeira justiça é o de se querer para os outros aquilo que se quer para si mesmo, e não de querer para si o que se deseja para os outros, o que não é a mesma coisa. Como não é natural que se queira o próprio mal, se tomarmos o desejo pessoal por norma ou ponto de partida, podemos estar certos de jamais desejar para o próximo senão o bem".

6. AMOR AO PRÓXIMO E A VIOLÊNCIA

Se Jesus nos ensinou a lei do amor, por que a violência nos dias atuais? Esquecemo-nos dos seus ensinamentos? Estamos deveras condicionados pela sociedade? Falta-nos a educação necessária?

Relacionamos abaixo alguns pensamentos que podem auxiliar a refrescar a nossa memória no tempo.

- Ato de criação bíblico é um ato de violência, pois não houve perdão por parte de Deus para com Adão e Eva.

- A Lei de talião da Antigüidade.

- Hegel concebeu toda a história como uma luta de contrários.

- Darwin colocou como motor da evolução a seleção natural na luta pela vida.

- Marx constrói a sua filosofia em cima da luta de classes.

- Hobbes formula a idéia dizendo que o "homem é o lobo do próprio homem".

- Se o Estado mata, por que a criança não pode matar?

- Consumismo exacerbado pelos meios de comunicação social.

- O discurso de auto-ajuda como fonte de alimentação do individualismo e do consumismo.

Estes são alguns dos fatores condicionantes de nossa maneira de pensar como também de agir violentamente, contrariando os ensinos do Cristo.

Mas onde está a fonte, a raiz da violência?

Está dentro de cada um de nós. Se não fôssemos violentos, o mundo não o seria? É possível que esteja faltando a aplicação dos preceitos morais do Cristo.

7. PRATICANDO O AMOR AO PRÓXIMO

A Prática do amor ao próximo pode ser vista em função da obediência aos ensinamentos de Jesus. Nesse sentido, quando perdoamos não sete mas setenta vez sete a ofensa recebida, quando aguardamos até o dia seguinte para querelar com o nosso vizinho, quando exercitamos a nossa paciência diante das mais ásperas dificuldades, quando procuramos dar o exemplo, quando respeitamos a liberdade alheia, quando fazemos todos os esforços para não nos omitirmos, estaremos nos exercitando no amor ao próximo.

8. CONCLUSÃO

Amar ao próximo como a si mesmo é um trabalho árduo que deve começar bem, pois caso contrário o resultado é nulo. Muitas vezes implica num sacrifício total da liberdade humana, coisa que nem sempre estamos dispostos a praticá-la.

9. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

Polis - Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado. Lisboa/São Paulo, Verbo, 1986.
CURTI, R. Espiritismo e Reforma Íntima. 3. ed., São Paulo, FEESP, 1981.
KARDEC, A. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 39. ed., São Paulo, IDE, 1984.
KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. 8. ed., São Paulo, FEESP, 1995.

São Paulo, abril de 2001

QUESTÕES de Ariana Pereira, repórter do jornal Diário da Região, de São José do Rio Preto, interior de São Paulo, para a revista Bem-Estar e RESPOSTAS de Sérgio Biagi Gregório

Por que Jesus, um grande mestre espiritual, insistia tanto na questão do amor ao próximo?

Para entendermos a posição de Jesus, quanto ao amor ao próximo, temos de nos reportar à Lei de Deus, ou seja, aos Dez Mandamentos, recebidos mediunicamente por Moisés. De acordo com Allan Kardec, "esta lei é de todos os tempos e de todos os países, e tem, por isso mesmo, um caráter divino". Jesus não veio destruir esta lei, mas dar-lhe cumprimento, desenvolvê-la segundo o grau de adiantamento da humanidade. Em realidade, Jesus resumiu o Decálogo num único mandamento, que costumamos chamar de o 11.º Mandamento: "Amar a Deus acima de todas as coisas, e ao próximo como a si mesmo". Jesus também acrescenta: "Está aí toda a lei e os profetas". Para Jesus, o próximo é o canal que nos leva a Deus. Sem o próximo, todo o nosso esforço é em vão, porque acabamos chafurdando no egoísmo, o principal cancro da humanidade.

Ele também insistia na questão de amarmos aqueles que consideramos inimigos. Qual a importância disso?

Os inimigos são os nossos verdadeiros mestres. Eles não têm pena de nós e apontam as nossas falhas com bastante frieza, coisa que os nossos amigos não têm coragem de fazê-lo. Amar o inimigo consiste em perdoar-lhe o mal que porventura esteja nos fazendo. O perdão ao inimigo, contudo, tem caráter científico. Observe que acima de nós há uma lei, a Lei Natural, lei esta que orienta todas as nossas ações, pois está escrita em nossa consciência. Quando o nosso inimigo nos faz um mal, ele não nos feriu, mas feriu-se a si mesmo em relação à Lei. Cabe à Lei puni-lo ou não. Quanto a nós, uma vez perdoado o seu ato, ficamos livres e desembaraçados de todas as implicações mentais menos felizes a respeito deste suposto inimigo.

É possível amar o outro sem amar-se?

A tradução correta da frase de Jesus não é bem esta: "Amar ao próximo como a si mesmo", mas sim, "Primeiro ame a si mesmo, para depois amar ao próximo". Há aqui uma grande diferença, pois não fazemos as coisas de modo mecânico, em obediência à pregação evangélica, mas de forma consciente, no sentido de sabermos o que estamos fazendo e o porquê de estarmos agindo desta e não de outra maneira.

Qual o papel do autoconhecimento para que haja amor próprio?

Segundo Sócrates, filósofo da antiguidade clássica grega, o autoconhecimento é a chave libertadora do ser humano. O "Conhece-te a ti mesmo" é um apelo para que o ser humano possa fazer uma volta sobre si mesmo, no sentido de tomar consciência de sua ignorância. É a partir dessa autoconsciência que o ser humano deveria se postar no mundo, pois saberia o que poderia fazer e dispensaria aquilo que não servisse para o seu projeto de vida.

Como amar-se sem perder-se no individualismo?

O primeiro passo é tomarmos consciência de que o mundo em que vivemos é individualista e consumista. Caso contrário, qualquer elaboração do amar-se perde o seu sentido. Observe que a moral primitiva implicava a regulamentação do comportamento de cada um de acordo com os interesses da coletividade. O indivíduo era mero suporte, auxiliar na concretização dos objetivos do grupo. Presentemente, o culto à individualização fê-lo mais materialista e egoísta, pois busca a sua autonomia, a sua independência, nem que para isso passe por cima dos outros. É nesse ponto que a mensagem do amor ao próximo, proferida por Jesus, auxilia-nos a mudar o nosso comportamento, para não nos perdermos no individualismo.

Santa Terezinha dizia que uma alma repleta de amor não pode ficar inativa. O amor impulsiona para o bem-estar do outro?

O outro é a pessoa mais importante. Mesmo quando estamos preparando uma peça oratória, para nós mesmos, estamos pensando em expressá-la ao outro, ao público. Nesse sentido, cada pessoa tem a responsabilidade de ser caminho para os outros. É, portanto, injusto excluir os outros do caminho. Lembremo-nos de que esta responsabilidade não diz respeito somente ao ser humano, mas também em relação ao meio ambiente. Hoje, são muitas as empresas que se preocupam com o que produzem, com o tipo de lixo que estão descartando, com as condições de trabalho de seus funcionários etc.

Como o amor ao outro beneficia a quem se doa dessa forma?

Em primeiro lugar, não deveríamos fazer o bem ao próximo para recebermos uma recompensa, pois estaríamos sendo mercenários, do tipo é dando que se recebe. O benefício, se assim quisermos chamar, é a felicidade de ver a Doutrina do Cristo sendo divulgada e ampliada para atingir todos os seres humanos do planeta.

Ariana Pereira
Diário da Região
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Publicado em em 31/05/2009 No www.diarioweb.com.br

Teresa de Lisieux, mais conhecida como Santa Terezinha ou Santa das Rosas, costumava dizer que uma alma repleta de amor é incapaz de ficar inativa. Ao passo que o ser humano se conhece e, se conhecendo, passa a se amar verdadeiramente, o movimento em direção ao outro é inevitável. É esse mover-se inevitavelmente ao bem-estar de outros que suscitou líderes como Mahatma Gandhi e Martin Luther King. Amor ao próximo não é uma lição nova. Mas nunca falou-se tanto nisso como hoje. Individualismo e consumismo nos quais está inserida a sociedade atual desencadeiam, cada vez mais, pessoas e iniciativas que desejam romper com essa realidade e inaugurar um novo tempo de compreensão e pacífica convivência entre os indivíduos e os povos. De acordo com o espiritualista Sérgio Biagi Gregório, para que as pessoas entendam a questão do amor ao próximo é necessário fazer referência às leis de Deus. “De acordo com Allan Kardec, ‘essa lei é de todos os tempos e de todos os países, e tem, por isso mesmo, um caráter divino’. Jesus resumiu o Decálogo num único mandamento, que costumamos chamar de o 11º Mandamento: ‘Amar a Deus acima de todas as coisas, e ao próximo como a si mesmo’. Ele também acrescenta: ‘Está aí toda a lei e os profetas’. O próximo é o canal que nos leva a Deus. Sem o próximo, todo o nosso esforço é em vão, porque acabamos chafurdando no egoísmo, o principal cancro da humanidade.”

Quando as pessoas agem como amigas verdadeiras de outros, desenvolvem uma série de virtudes e conhecimentos que a vida de isolamento jamais permitiria, segundo a facilitadora do Centro de Estudos Budistas Bodisatva em Rio Preto, Maria Eugênia Bouguson. Para exemplificar a afirmação, ela usa a parábola do Bom Samaritano: “após contar a parábola, Jesus pergunta ao fariseu quem foi o próximo do homem que havia caído nas mãos de ladrões. A resposta foi aquele que agiu com misericórdia para com o homem. Aproveitando a ideia e o tema, podemos perguntar: quem amou aquele que caiu nas mãos dos ladrões?”

Livres
Decidir-se por amar o outro liberta o ser humano da solidão gerada pelo egoísmo e orgulho, sentimentos que levam ao sofrimento. Portanto, aprender a se amar e, consequentemente, amar os outros, é garantia de felicidade. Quando uma pessoa não tem capacidade de superar o conceito materialista, refletindo sobre si e concluindo que o ser humano está acima dos bens materiais que possui, pode cair em depressão, se isolar e em alguns casos extremos, desejar o fim de sua vida. A solução definitiva desse problema surgirá quando eleger como valores o respeito, a amizade e o amor. Mas enquanto a maioria das pessoas continuar permitindo que o egoísmo e o orgulho embotem seu raciocínio e sua visão de mundo, aquele que porventura esteja sofrendo, de solidão ou qualquer outro problema, precisa procurar os que já pensam diferente e que compreendem os valores principais da vida”, aconselha o doutor em Física e membro do Grupo de Estudos Avançados Espíritas, Alexandre Fontes da Fonseca.

Chegar, no entanto, à capacidade de amar o outro, seja ele amigo ou inimigo, passa pelo processo interior. É preciso olhar primeiro para si, só assim a pessoa será capaz de sair em busca do outro. Gregório explica que, de acordo com Sócrates (filósofo da antiguidade clássica grega), o autoconhecimento é a chave libertadora do ser humano. O “conhece-te a ti mesmo”, continua o espiritualista, é um apelo para que se possa fazer uma volta sobre si mesmo, no sentido de tomar consciência de sua ignorância. “É a partir dessa autoconsciência que o ser humano deveria se postar no mundo, pois saberia o que poderia fazer e dispensaria aquilo que não servisse para o seu projeto de vida.” E, para que o amar-se não se transforme em apenas mais uma face do individualismo, segundo Gregório, é preciso que a pessoa tenha consciência da sociedade em que vive: individualista e consumista. Caso contrário, para o espiritualista, qualquer elaboração do amar-se perde o sentido. O culto à individualização fez o ser humano mais materialista e egoísta, pois busca a sua autonomia, a sua independência, nem que para isso passe por cima dos outros. “É nesse ponto que a mensagem do amor ao próximo, proferida por Jesus, auxilia-nos a mudar o nosso comportamento, para não nos perdermos no individualismo.”

A partir desse primeiro momento de autoconhecimento e aprendizagem de amar-se com qualidades e defeitos próprios é possível amar não apenas aqueles com quem simpatizamos ou fazem parte de um círculo de amigos. Quem realmente aprende a amar, pode transcender e chegar a amar, inclusive, aqueles que podem ser considerados inimigos. “Os inimigos são os nossos verdadeiros mestres. Eles não têm pena de nós e apontam as nossas falhas com bastante frieza, coisa que os nossos amigos não têm coragem de fazer. Amar o inimigo consiste em perdoar-lhe o mal que porventura esteja nos fazendo. O perdão ao inimigo, contudo, tem caráter científico. Observe que acima de nós há uma lei, a Lei Natural, lei essa que orienta todas as nossas ações, pois está escrita em nossa consciência. Quando o nosso inimigo nos faz um mal, ele não nos feriu, mas feriu-se a si mesmo em relação à Lei. Cabe à Lei puni-lo ou não. Quanto a nós, uma vez perdoado o seu ato, ficamos livres e desembaraçados de todas as implicações mentais menos felizes a respeito deste suposto inimigo, afirma o espiritualista Sérgio Biagi Gregório.

Colheita
A máxima “colher o que se planta” se encaixa perfeitamente à vida de quem se decide por amar o outro, independente das situações em que se encontra. Maria Eugênia acredita que são incontáveis os benefícios àqueles que se disponibilizam a amar a si e ao próximo, principalmente, nos casos em que esse amor se concretiza por meio de gestos como ajudas materiais ou espirituais. “É sempre muito fácil nos colocarmos na posição de receber ajuda. Realmente, em muitas ocasiões, estamos carentes disso. Mas quando nos colocamos na posição de oferecer ajuda estamos colocando à disposição de outrem as nossas capacidades. E o sublime desse ato de amor ocorre quando buscamos nos aprimorar, naquilo que for necessário, para que nossa ajuda se torne mais eficiente.”

Apesar disso, fazer o bem ao próximo não teria de ser um dever e, sim, algo natural e espontâneo sem a expectativa de retorno em qualquer que seja o âmbito. “Não deveríamos fazer o bem ao próximo para receber uma recompensa, pois estaríamos sendo mercenários, do tipo é dando que se recebe. O benefício, se assim quisermos chamar, é a felicidade de ver a Doutrina do Cristo sendo divulgada e ampliada para atingir todos os seres humanos do planeta. O outro é a pessoa mais importante. Mesmo quando estamos preparando uma peça oratória, para nós mesmos, estamos pensando em expressá-la ao outro, ao público. Nesse sentido, cada pessoa tem a responsabilidade de ser caminho para os outros. É, portanto, injusto excluir os outros do caminho”, diz Gregório.

AMAR É PRECISO

terça-feira, 20 de julho de 2010

CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ A MENSAGEM DE FÁTIMA APRESENTAÇÃO

CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ

A MENSAGEM
DE FÁTIMA

APRESENTAÇÃO

Na passagem do segundo para o terceiro milénio, o Papa João Paulo II decidiu tornar público o texto da terceira parte do « segredo de Fátima ».

Depois dos acontecimentos dramáticos e cruéis do século XX, um dos mais tormentosos da história do homem, com o ponto culminante no cruento atentado ao « doce Cristo na terra », abre-se assim o véu sobre uma realidade que faz história e a interpreta na sua profundidade segundo uma dimensão espiritual, a que é refractária a mentalidade actual, frequentemente eivada de racionalismo.

A história está constelada de aparições e sinais sobrenaturais, que influenciam o desenrolar dos acontecimentos humanos e acompanham o caminho do mundo, surpreendendo crentes e descrentes. Estas manifestações, que não podem contradizer o conteúdo da fé, devem convergir para o objecto central do anúncio de Cristo: o amor do Pai que suscita nos homens a conversão e dá a graça para se abandonarem a Ele com devoção filial. Tal é a mensagem de Fátima, com o seu veemente apelo à conversão e à penitência, que leva realmente ao coração do Evangelho.

Fátima é, sem dúvida, a mais profética das aparições modernas. A primeira e a segunda parte do « segredo », que são publicadas em seguida para ficar completa a documentação, dizem respeito antes de mais à pavorosa visão do inferno, à devoção ao Imaculado Coração de Maria, à segunda guerra mundial, e depois ao prenúncio dos danos imensos que a Rússia, com a sua defecção da fé cristã e adesão ao totalitarismo comunista, haveria de causar à humanidade.

Em 1917, ninguém poderia ter imaginado tudo isto: os três pastorinhos de Fátima vêem, ouvem, memorizam, e Lúcia, a testemunha sobrevivente, quando recebe a ordem do Bispo de Leiria e a autorização de Nossa Senhora, põe por escrito.

Para a exposição das primeiras duas partes do « segredo », aliás já publicadas e conhecidas, foi escolhido o texto escrito pela Irmã Lúcia na terceira memória, de 31 de Agosto de 1941; na quarta memória, de 8 de Dezembro de 1941, ela acrescentará qualquer observação.

A terceira parte do « segredo » foi escrita « por ordem de Sua Ex.cia Rev.ma o Senhor Bispo de Leiria e da (...) Santíssima Mãe », no dia 3 de Janeiro de 1944.

Existe apenas um manuscrito, que é reproduzido aqui fotostaticamente. O envelope selado foi guardado primeiramente pelo Bispo de Leiria. Para se tutelar melhor o « segredo », no dia 4 de Abril de 1957 o envelope foi entregue ao Arquivo Secreto do Santo Ofício. Disto mesmo, foi avisada a Irmã Lúcia pelo Bispo de Leiria.

Segundo apontamentos do Arquivo, no dia 17 de Agosto de 1959 e de acordo com Sua Eminência o Cardeal Alfredo Ottaviani, o Comissário do Santo Ofício, Padre Pierre Paul Philippe OP, levou a João XXIII o envelope com a terceira parte do « segredo de Fátima ». Sua Santidade, « depois de alguma hesitação », disse: « Aguardemos. Rezarei. Far-lhe-ei saber o que decidi ».(1)

Na realidade, a decisão do Papa João XXIII foi enviar de novo o envelope selado para o Santo Ofício e não revelar a terceira parte do « segredo ».

Paulo VI leu o conteúdo com o Substituto da Secretaria de Estado, Sua Ex.cia Rev.ma D. Ângelo Dell'Acqua, a 27 de Março de 1965, e mandou novamente o envelope para o Arquivo do Santo Ofício, com a decisão de não publicar o texto.

João Paulo II, por sua vez, pediu o envelope com a terceira parte do « segredo », após o atentado de 13 de Maio de 1981. Sua Eminência o Cardeal Franjo Seper, Prefeito da Congregação, a 18 de Julho de 1981 entregou a Sua Ex.cia Rev.ma D. Eduardo Martínez Somalo, Substituto da Secretaria de Estado, dois envelopes: um branco, com o texto original da Irmã Lúcia em língua portuguesa; outro cor-de-laranja, com a tradução do « segredo » em língua italiana. No dia 11 de Agosto seguinte, o Senhor D. Martínez Somalo devolveu os dois envelopes ao Arquivo do Santo Ofício.(2)

Como é sabido, o Papa João Paulo II pensou imediatamente na consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria e compôs ele mesmo uma oração para o designado « Acto de Entrega », que seria celebrado na Basílica de Santa Maria Maior a 7 de Junho de 1981, solenidade de Pentecostes, dia escolhido para comemorar os 1600 anos do primeiro Concílio Constantinopolitano e os 1550 anos do Concílio de Éfeso. O Papa, forçadamente ausente, enviou uma radiomensagem com a sua alocução. Transcrevemos a parte do texto, onde se refere exactamente o acto de entrega:

« Ó Mãe dos homens e dos povos, Vós conheceis todos os seus sofrimentos e as suas esperanças, Vós sentis maternalmente todas as lutas entre o bem e o mal, entre a luz e as trevas, que abalam o mundo, acolhei o nosso brado, dirigido no Espírito Santo directamente ao vosso Coração, e abraçai com o amor da Mãe e da Serva do Senhor aqueles que mais esperam por este abraço e, ao mesmo tempo, aqueles cuja entrega também Vós esperais de maneira particular. Tomai sob a vossa protecção materna a família humana inteira, que, com enlevo afectuoso, nós Vos confiamos, ó Mãe. Que se aproxime para todos o tempo da paz e da liberdade, o tempo da verdade, da justiça e da esperança ». (3)

Mas, para responder mais plenamente aos pedidos de Nossa Senhora, o Santo Padre quis, durante o Ano Santo da Redenção, tornar mais explícito o acto de entrega de 7 de Junho de 1981, repetido em Fátima no dia 13 de Maio de 1982. E, no dia 25 de Março de 1984, quando se recorda o fiat pronunciado por Maria no momento da Anunciação, na Praça de S. Pedro, em união espiritual com todos os Bispos do mundo precedentemente « convocados », o Papa entrega ao Imaculado Coração de Maria os homens e os povos, com expressões que lembram as palavras ardorosas pronunciadas em 1981:

« E por isso, ó Mãe dos homens e dos povos, Vós que conheceis todos os seus sofrimentos e as suas esperanças, Vós que sentis maternalmente todas as lutas entre o bem e o mal, entre a luz e as trevas, que abalam o mundo contemporâneo, acolhei o nosso clamor que, movidos pelo Espírito Santo, elevamos directamente ao vosso Coração: Abraçai, com amor de Mãe e de Serva do Senhor, este nosso mundo humano, que Vos confiamos e consagramos, cheios de inquietude pela sorte terrena e eterna dos homens e dos povos.

De modo especial Vos entregamos e consagramos aqueles homens e aquelas nações que desta entrega e desta consagração têm particularmente necessidade.

“À vossa protecção nos acolhemos, Santa Mãe de Deus”! Não desprezeis as súplicas que se elevam de nós que estamos na provação! ».

Depois o Papa continua com maior veemência e concretização de referências, quase comentando a Mensagem de Fátima nas suas predições infelizmente cumpridas:

« Encontrando-nos hoje diante Vós, Mãe de Cristo, diante do vosso Imaculado Coração, desejamos, juntamente com toda a Igreja, unir-nos à consagração que, por nosso amor, o vosso Filho fez de Si mesmo ao Pai: “Eu consagro-Me por eles — foram as suas palavras — para eles serem também consagrados na verdade” (Jo 17, 19). Queremos unir-nos ao nosso Redentor, nesta consagração pelo mundo e pelos homens, a qual, no seu Coração divino, tem o poder de alcançar o perdão e de conseguir a reparação.

A força desta consagraçãopermanece por todos os tempos e abrange todos os homens, os povos e as nações; e supera todo o mal, que o espírito das trevas é capaz de despertar no coração do homem e na sua história e que, de facto, despertou nos nossos tempos.

Oh quão profundamente sentimos a necessidade de consagração pela humanidade e pelo mundo: pelo nosso mundo contemporâneo, em união com o próprio Cristo! Na realidade, a obra redentora de Cristo deve ser participada pelo mundo por meio da Igreja.

Manifesta-o o presente Ano da Redenção: o Jubileu extraordinário de toda a Igreja.

Neste Ano Santo, bendita sejais acima de todas as criaturas Vós, Serva do Senhor, que obedecestes da maneira mais plena ao chamamento Divino!

Louvada sejais Vós, que estais inteiramente unida à consagração redentora do vosso Filho!

Mãe da Igreja! Iluminai o Povo de Deus nos caminhos da fé, da esperança e da caridade! Iluminai de modo especial os povos dos quais Vós esperais a nossa consagração e a nossa entrega. Ajudai-nos a viver na verdade da consagração de Cristo por toda a família humana do mundo contemporâneo.

Confiando-Vos, ó Mãe, o mundo, todos os homens e todos os povos, nós Vos confiamos também a própria consagração do mundo, depositando-a no vosso Coração materno.

Oh Imaculado Coração! Ajudai-nos a vencer a ameaça do mal, que se enraíza tão facilmente nos corações dos homens de hoje e que, nos seus efeitos incomensuráveis, pesa já sobre a vida presente e parece fechar os caminhos do futuro!

Da fome e da guerra, livrai-nos!

Da guerra nuclear, de uma autodestruição incalculável, e de toda a espécie de guerra, livrai-nos!

Dos pecados contra a vida do homem desde os seus primeiros instantes, livrai-nos!

Do ódio e do aviltamento da dignidade dos filhos de Deus, livrai-nos!

De todo o género de injustiça na vida social, nacional e internacional, livrai-nos!

Da facilidade em calcar aos pés os mandamentos de Deus, livrai-nos!

Da tentativa de ofuscar nos corações humanos a própria verdade de Deus, livrai-nos!

Da perda da consciência do bem e do mal, livrai-nos!

Dos pecados contra o Espírito Santo, livrai-nos, livrai-nos!

Acolhei, ó Mãe de Cristo, este clamor carregado do sofrimento de todos os homens! Carregado do sofrimento de sociedades inteiras!

Ajudai-nos com a força do Espírito Santo a vencer todo o pecado: o pecado do homem e o “pecado do mundo”, enfim o pecado em todas as suas manifestações.

Que se revele uma vez mais, na história do mundo, a força salvífica infinita da Redenção: a força do Amor misericordioso! Que ele detenha o mal! Que ele transforme as consciências! Que se manifeste para todos, no vosso Imaculado Coração, a luz da Esperança! ».(4)

A Irmã Lúcia confirmou pessoalmente que este acto, solene e universal, de consagração correspondia àquilo que Nossa Senhora queria: « Sim, está feita tal como Nossa Senhora a pediu, desde o dia 25 de Março de 1984 » (carta de 8 de Novembro de 1989). Por isso, qualquer discussão e ulterior petição não tem fundamento.

Na documentação apresentada, para além das páginas manuscritas da Irmã Lúcia inserem-se mais quatro textos: 1) A carta do Santo Padre à Irmã Lúcia, datada de 19 de Abril de 2000; 2) Uma descrição do colóquio que houve com a Irmã Lúcia no dia 27 de Abril de 2000; 3) A comunicação lida, por encargo do Santo Padre, por Sua Eminência o Cardeal Ângelo Sodano, Secretário de Estado, em Fátima no dia 13 de Maio deste ano; 4) O comentário teológico de Sua Eminência o Cardeal Joseph Ratzinger, Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.

Uma orientação para a interpretação da terceira parte do « segredo » tinha sido já oferecida pela Irmã Lúcia, numa carta dirigida ao Santo Padre a 12 de Maio de 1982, onde dizia:

« A terceira parte do segredo refere-se às palavras de Nossa Senhora: “Se não, [a Rússia] espalhará os seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja. Os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas” (13-VII-1917).

A terceira parte do segredo é uma revelação simbólica, que se refere a este trecho da Mensagem, condicionada ao facto de aceitarmos ou não o que a Mensagem nos pede: “Se atenderem a meus pedidos, a Rússia converter-se-á e terão paz; se não, espalhará os seus erros pelo mundo, etc”.

Porque não temos atendido a este apelo da Mensagem, verificamos que ela se tem cumprido, a Rússia foi invadindo o mundo com os seus erros. E se não vemos ainda, como facto consumado, o final desta profecia, vemos que para aí caminhamos a passos largos. Se não recuarmos no caminho do pecado, do ódio, da vingança, da injustiça atropelando os direitos da pessoa humana, da imoralidade e da violência, etc.

E não digamos que é Deus que assim nos castiga; mas, sim, que são os homens que para si mesmos se preparam o castigo. Deus apenas nos adverte e chama ao bom caminho, respeitando a liberdade que nos deu; por isso os homens são responsáveis».(5)

A decisão tomada pelo Santo Padre João Paulo II de tornar pública a terceira parte do « segredo » de Fátima encerra um pedaço de história, marcado por trágicas veleidades humanas de poder e de iniquidade, mas permeada pelo amor misericordioso de Deus e pela vigilância cuidadosa da Mãe de Jesus e da Igreja.

Acção de Deus, Senhor da história, e corresponsabilidade do homem, no exercício dramático e fecundo da sua liberdade, são os dois alicerces sobre os quais se constrói a história da humanidade.

Ao aparecer em Fátima, Nossa Senhora faz-nos apelo a estes valores esquecidos, a este futuro do homem em Deus, do qual somos parte activa e responsável.

Tarcisio Bertone, SDB

Arcebispo emérito de Vercelli

Secretário da Congregação para a Doutrina da Fé

O « SEGREDO » DE FÁTIMA

PRIMEIRA E SEGUNDA PARTE DO « SEGREDO »
SEGUNDO A REDACÇÃO FEITA PELA IRMÃ LÚCIA
NA « TERCEIRA MEMÓRIA », DE 31 DE AGOSTO DE 1941,
DESTINADA AO BISPO DE LEIRIA-FÁTIMA

(texto original)

(transcrição) (6)

Terei para isso que falar algo do segredo e responder ao primeiro ponto de interrogação.

O que é o segredo?

Parece-me que o posso dizer, pois que do Céu tenho já a licença. Os representantes de Deus na terra, têm-me autorizado a isso várias vezes, e em várias cartas, uma das quais, julgo que conserva V. Ex.cia Rev.ma do Senhor Padre José Bernardo Gonçalves, na em que me manda escrever ao Santo Padre. Um dos pontos que me indica é a revelação do segredo. Algo disse, mas para não alongar mais esse escrito que devia ser breve, limitei-me ao indispensável, deixando a Deus a oportunidade d'um momento mais favorável.

Expus já no segundo escrito a dúvida que de 13 de Junho a 13 de Julho me atormentou e que n'essa aparição tudo se desvaneceu.

Bem o segredo consta de três coisas distintas, duas das quais vou revelar.

A primeira foi pois a vista do inferno!

Nossa Senhora mostrou-nos um grande mar de fôgo que parcia estar debaixo da terra. Mergulhados em êsse fôgo os demónios e as almas, como se fossem brasas transparentes e negras, ou bronziadas com forma humana, que flutuavam no incêndio levadas pelas chamas que d'elas mesmas saiam, juntamente com nuvens de fumo, caindo para todos os lados, semelhante ao cair das faulhas em os grandes incêndios sem peso nem equilíbrio, entre gritos e gemidos de dôr e desespero que horrorizava e fazia estremecer de pavor. Os demónios destinguiam-se por formas horríveis e ascrosas de animais espantosos e desconhecidos, mas transparentes e negros. Esta vista foi um momento, e graças à nossa bôa Mãe do Céu; que antes nos tinha prevenido com a promeça de nos levar para o Céu (na primeira aparição) se assim não fosse, creio que teríamos morrido de susto e pavor.

Em seguida, levantámos os olhos para Nossa Senhora que nos disse com bondade e tristeza:

— Vistes o inferno, para onde vão as almas dos pobres pecadores, para as salvar, Deus quer establecer no mundo a devoção a meu Imaculado Coração. Se fizerem o que eu disser salvar-se-ão muitas almas e terão paz. A guerra vai acabar, mas se não deixarem de ofender a Deus, no reinado de Pio XI começará outra peor. Quando virdes uma noite, alumiada por uma luz desconhecida, sabei que é o grande sinal que Deus vos dá de que vai a punir o mundo de seus crimes, por meio da guerra, da fome e de perseguições à Igreja e ao Santo Padre. Para a impedir virei pedir a consagração da Rússia a meu Imaculado Coração e a comunhão reparadora nos primeiros sábados. Se atenderem a meus pedidos, a Rússia se converterá e terão paz, se não, espalhará seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja, os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sufrer, várias nações serão aniquiladas, por fim o meu Imaculado Coração triunfará. O Santo Padre consagrar-me-á a Rússia, que se converterá, e será consedido ao mundo algum tempo de paz.(7)

TERCEIRA PARTE DO « SEGREDO »

(texto original)

(transcrição) (8)

« J.M.J.

A terceira parte do segredo revelado a 13 de Julho de 1917 na Cova da Iria-Fátima.

Escrevo em acto de obediência a Vós Deus meu, que mo mandais por meio de sua Ex.cia Rev.ma o Senhor Bispo de Leiria e da Vossa e minha Santíssima Mãe.

Depois das duas partes que já expus, vimos ao lado esquerdo de Nossa Senhora um pouco mais alto um Anjo com uma espada de fôgo em a mão esquerda; ao centilar, despedia chamas que parecia iam encendiar o mundo; mas apagavam-se com o contacto do brilho que da mão direita expedia Nossa Senhora ao seu encontro: O Anjo apontando com a mão direita para a terra, com voz forte disse: Penitência, Penitência, Penitência! E vimos n'uma luz emensa que é Deus: “algo semelhante a como se vêem as pessoas n'um espelho quando lhe passam por diante” um Bispo vestido de Branco “tivemos o pressentimento de que era o Santo Padre”. Varios outros Bispos, Sacerdotes, religiosos e religiosas subir uma escabrosa montanha, no cimo da qual estava uma grande Cruz de troncos toscos como se fôra de sobreiro com a casca; o Santo Padre, antes de chegar aí, atravessou uma grande cidade meia em ruínas, e meio trémulo com andar vacilante, acabrunhado de dôr e pena, ia orando pelas almas dos cadáveres que encontrava pelo caminho; chegado ao cimo do monte, prostrado de juelhos aos pés da grande Cruz foi morto por um grupo de soldados que lhe dispararam varios tiros e setas, e assim mesmo foram morrendo uns trás outros os Bispos Sacerdotes, religiosos e religiosas e varias pessoas seculares, cavalheiros e senhoras de varias classes e posições. Sob os dois braços da Cruz estavam dois Anjos cada um com um regador de cristal em a mão, n'êles recolhiam o sangue dos Martires e com êle regavam as almas que se aproximavam de Deus.

Tuy-3-1-1944 ».

INTERPRETAÇÃO DO « SEGREDO »

CARTA DE JOÃO PAULO II

À IRMÃ LÚCIA

(texto original)

COLÓQUIO

COM A IRMÃ MARIA LÚCIA DE JESUS
E DO CORAÇÃO IMACULADO

O encontro da Irmã Lúcia com Sua Ex.cia Rev.ma D. Tarcisio Bertone, Secretário da Congregação para a Doutrina da Fé, por encargo recebido do Santo Padre, e Sua Ex.cia Rev.ma D. Serafim de Sousa Ferreira e Silva, Bispo de Leiria-Fátima, teve lugar a 27 de Abril passado (uma quinta-feira), no Carmelo de Santa Teresa em Coimbra.

A Irmã Lúcia estava lúcida e calma, dizendo-se muito feliz com a ida do Santo Padre a Fátima para a Beatificação de Francisco e Jacinta, há muito desejada por ela.

O Bispo de Leiria-Fátima leu a carta autógrafa do Santo Padre, que explicava os motivos da visita. A Irmã Lúcia disse sentir-se muito honrada, e releu pessoalmente a carta comprazendo-se por vê-la nas suas próprias mãos. Declarou-se disposta a responder francamente a todas as perguntas.

Então, o Senhor D. Tarcisio Bertone apresenta-lhe dois envelopes: um exterior que tinha dentro outro com a carta onde estava a terceira parte do « segredo » de Fátima. Tocando esta segunda com os dedos, logo exclamou: « É a minha carta », e, depois de a ler, acrescentou: « É a minha letra ».

Com o auxílio do Bispo de Leiria-Fátima, foi lido e interpretado o texto original, que é em língua portuguesa. A Irmã Lúcia concorda com a interpretação segundo a qual a terceira parte do « segredo » consiste numa visão profética, comparável às da história sagrada. Ela reafirma a sua convicção de que a visão de Fátima se refere sobretudo à luta do comunismo ateu contra a Igreja e os cristãos, e descreve o imane sofrimento das vítimas da fé no século XX.

À pergunta: « A personagem principal da visão é o Papa? », a Irmã Lúcia responde imediatamente que sim e recorda como os três pastorinhos sentiam muita pena pelo sofrimento do Papa e Jacinta repetia: « Coitadinho do Santo Padre. Tenho muita pena dos pecadores! » A Irmã Lúcia continua: « Não sabíamos o nome do Papa; Nossa Senhora não nos disse o nome do Papa. Não sabíamos se era Bento XV, Pio XII, Paulo VI ou João Paulo II, mas que era o Papa que sofria e isso fazia-nos sofrer a nós também ».

Quanto à passagem relativa ao Bispo vestido de branco, isto é, ao Santo Padre — como logo perceberam os pastorinhos durante a « visão » — que é ferido de morte e cai por terra, a irmã Lúcia concorda plenamente com a afirmação do Papa: « Foi uma mão materna que guiou a trajectória da bala e o Santo Padre agonizante deteve-se no limiar da morte » (João Paulo II, Meditação com os Bispos Italianos, a partir da Policlínica Gemelli, 13 de Maio de 1994).

Uma vez que a Irmã Lúcia, antes de entregar ao Bispo de Leiria-Fátima de então o envelope selado com a terceira parte do « segredo », tinha escrito no envelope exterior que podia ser aberto somente depois de 1960 pelo Patriarca de Lisboa ou pelo Bispo de Leiria, o Senhor D. Bertone pergunta-lhe: « Porquê o limite de 1960? Foi Nossa Senhora que indicou aquela data? ».Resposta da Irmã Lúcia: « Não foi Nossa Senhora; fui eu que meti a data de 1960 porque, segundo intuição minha, antes de 1960 não se perceberia, compreender-se-ia somente depois. Agora pode-se compreender melhor. Eu escrevi o que vi; não compete a mim a interpretação, mas ao Papa ».

Por último, alude-se ao manuscrito, não publicado, que a Irmã Lúcia preparou para dar resposta a tantas cartas de devotos e peregrinos de Nossa Senhora. A obra intitula-se « Os apelos da Mensagem de Fátima », e contém pensamentos e reflexões que exprimem, em chave catequética e parenética, os seus sentimentos e espiritualidade cândida e simples. Perguntou-se-lhe se gostava que fosse publicado, ao que a Irmã Lúcia respondeu: « Se o Santo Padre estiver de acordo, eu fico contente; caso contrário, obedeço àquilo que decidir o Santo Padre ». A Irmã Lúcia deseja sujeitar o texto à aprovação da Autoridade Eclesiástica, esperando que o seu escrito possa contribuir para guiar os homens e mulheres de boa vontade no caminho que conduz a Deus, meta última de todo o anseio humano.

O colóquio termina com uma troca de terços: à Irmã Lúcia foi dado o terço oferecido pelo Santo Padre, e ela, por sua vez, entrega alguns terços confeccionados pessoalmente por ela.

A Bênção, concedida em nome do Santo Padre, concluiu o encontro.

COMUNICAÇÃO DE SUA EMINÊNCIA
O CARD. ÂNGELO SODANO
SECRETÁRIO DE ESTADO DE SUA SANTIDADE

No final da solene Concelebração Eucarística presidida por João Paulo II em Fátima, o Cardeal Ângelo Sodano, Secretário de Estado, pronunciou em português as palavras seguintes:

Irmãos e irmãs no Senhor!

No termo desta solene celebração, sinto o dever de apresentar ao nosso amado Santo Padre João Paulo II os votos mais cordiais de todos os presentes pelo seu próximo octogésimo aniversário natalício, agradecidos pelo seu precioso ministério pastoral em benefício de toda a Santa Igreja de Deus.

Na circunstância solene da sua vinda a Fátima, o Sumo Pontífice incumbiu-me de vos comunicar uma notícia. Como é sabido, a finalidade da vinda do Santo Padre a Fátima é a beatificação dos dois Pastorinhos. Contudo Ele quer dar a esta sua peregrinação também o valor de um renovado preito de gratidão a Nossa Senhora pela protecção que Ela Lhe tem concedido durante estes anos de pontificado. É uma protecção que parece ter a ver também com a chamada terceira parte do « segredo » de Fátima.

Tal texto constitui uma visão profética comparável às da Sagrada Escritura, que não descrevem de forma fotográfica os detalhes dos acontecimentos futuros, mas sintetizam e condensam sobre a mesma linha de fundo factos que se prolongam no tempo numa sucessão e duração não especificadas. Em consequência, a chave de leitura do texto só pode ser de carácter simbólico.

A visão de Fátima refere-se sobretudo à luta dos sistemas ateus contra a Igreja e os cristãos e descreve o sofrimento imane das testemunhas da fé do último século do segundo milénio. É uma Via Sacra sem fim, guiada pelos Papas do século vinte.

Segundo a interpretação dos pastorinhos, interpretação confirmada ainda recentemente pela Irmã Lúcia, o « Bispo vestido de branco » que reza por todos os fiéis é o Papa. Também Ele, caminhando penosamente para a Cruz por entre os cadáveres dos martirizados (bispos, sacerdotes, religiosos, religiosas e várias pessoas seculares), cai por terra como morto sob os tiros de uma arma de fogo.

Depois do atentado de 13 de Maio de 1981, pareceu claramente a Sua Santidade que foi « uma mão materna a guiar a trajectória da bala », permitindo que o « Papa agonizante » se detivesse « no limiar da morte » [João Paulo II, Meditação com os Bispos Italianos, a partir da Policlínica Gemelli, em: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, XVII-1 (Città del Vaticano 1994), 1061]. Certa ocasião em que o Bispo de Leiria-Fátima de então passara por Roma, o Papa decidiu entregar-lhe a bala que tinha ficado no jeep depois do atentado, para ser guardada no Santuário. Por iniciativa do Bispo, essa bala foi depois encastoada na coroa da imagem de Nossa Senhora de Fátima.

Depois, os acontecimentos de 1989 levaram, quer na União Soviética quer em numerosos Países do Leste, à queda do regime comunista que propugnava o ateísmo. O Sumo Pontífice agradece do fundo do coração à Virgem Santíssima também por isso. Mas, noutras partes do mundo, os ataques contra a Igreja e os cristãos, com a carga de sofrimento que eles provocam, infelizmente não cessaram. Embora os acontecimentos a que faz referência a terceira parte do « segredo » de Fátima pareçam pertencer já ao passado, o apelo à conversão e à penitência, manifestado por Nossa Senhora ao início do século vinte, conserva ainda hoje uma estimulante actualidade. « A Senhora da Mensagem parece ler com uma perspicácia singular os sinais dos tempos, os sinais do nosso tempo. (...) O convite insistente de Maria Santíssima à penitência não é senão a manifestação da sua solicitude materna pelos destinos da família humana, necessitada de conversão e de perdão » [João Paulo II, Mensagem para o Dia Mundial do Doente - 1997, n. 1, em: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, XIX‑2 (Città del Vaticano 1996), 561].

Para consentir que os fiéis recebam melhor a mensagem da Virgem de Fátima, o Papa confiou à Congregação para a Doutrina da Fé o encargo de tornar pública a terceira parte do « segredo », depois de lhe ter preparado um adequado comentário.

Irmãos e irmãs, damos graças a Nossa Senhora de Fátima pela sua protecção. Confiamos à sua materna intercessão a Igreja do Terceiro Milénio.

Sub tuum præsidium confugimus, Sancta Dei Genetrix! Intercede pro Ecclesia. Intercede pro Papa nostro Ioanne Paulo II. Amen.

Fátima, 13 de Maio de 2000.

COMENTÁRIO TEOLÓGICO

Quem lê com atenção o texto do chamado terceiro « segredo » de Fátima, que depois de longo tempo, por disposição do Santo Padre, é aqui publicado integralmente, ficará presumivelmente desiludido ou maravilhado depois de todas as especulações que foram feitas. Não é revelado nenhum grande mistério; o véu do futuro não é rasgado. Vemos a Igreja dos mártires deste século que está para findar, representada através duma cena descrita numa linguagem simbólica de difícil decifração. É isto o que a Mãe do Senhor queria comunicar à cristandade, à humanidade num tempo de grandes problemas e angústias? Serve-nos de ajuda no início do novo milénio? Ou não serão talvez apenas projecções do mundo interior de crianças, crescidas num ambiente de profunda piedade, mas simultaneamente assustadas pelas tempestades que ameaçavam o seu tempo? Como devemos entender a visão, o que pensar dela?

Revelação pública e revelações privadas – o seu lugar teológico

Antes de encetar uma tentativa de interpretação, cujas linhas essenciais podem encontrar-se na comunicação que o Cardeal Sodano pronunciou, no dia 13 de Maio deste ano, no fim da Celebração Eucarística presidida pelo Santo Padre em Fátima, é necessário dar alguns esclarecimentos básicos sobre o modo como, segundo a doutrina da Igreja, devem ser compreendidos no âmbito da vida de fé fenómenos como o de Fátima. A doutrina da Igreja distingue « revelação pública » e « revelações privadas »; entre as duas realidades existe uma diferença essencial, e não apenas de grau. A noção « revelação pública » designa a acção reveladora de Deus que se destina à humanidade inteira e está expressa literariamente nas duas partes da Bíblia: o Antigo e o Novo Testamento. Chama-se « revelação », porque nela Deus Se foi dando a conhecer progressivamente aos homens, até ao ponto de Ele mesmo Se tornar homem, para atrair e reunir em Si próprio o mundo inteiro por meio do Filho encarnado, Jesus Cristo. Não se trata, portanto, de comunicações intelectuais, mas de um processo vital em que Deus Se aproxima do homem; naturalmente nesse processo, depois aparecem também conteúdos que têm a ver com a inteligência e a compreensão do mistério de Deus. Tal processo envolve o homem inteiro e, por conseguinte, também a razão, mas não só ela. Uma vez que Deus é um só, também a história que Ele vive com a humanidade é única, vale para todos os tempos e encontrou a sua plenitude com a vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Por outras palavras, em Cristo Deus disse tudo de Si mesmo, e portanto a revelação ficou concluída com a realização do mistério de Cristo, expresso no Novo Testamento. O Catecismo da Igreja Católica, para explicar este carácter definitivo e pleno da revelação, cita o seguinte texto de S. João da Cruz: « Ao dar-nos, como nos deu, o seu Filho, que é a sua Palavra — e não tem outra —, Deus disse-nos tudo ao mesmo tempo e de uma só vez nesta Palavra única (...) porque o que antes disse parcialmente pelos profetas, revelou-o totalmente, dando-nos o Todo que é o seu Filho. E por isso, quem agora quisesse consultar a Deus ou pedir-Lhe alguma visão ou revelação, não só cometeria um disparate, mas faria agravo a Deus, por não pôr os olhos totalmente em Cristo e buscar fora d'Ele outra realidade ou novidade » (CIC, n. 65; S. João da Cruz, A Subida do Monte Carmelo, II, 22).

O facto de a única revelação de Deus destinada a todos os povos ter ficado concluída com Cristo e o testemunho que d'Ele nos dão os livros do Novo Testamento vincula a Igreja com o acontecimento único que é a história sagrada e a palavra da Bíblia, que garante e interpreta tal acontecimento, mas não significa que agora a Igreja pode apenas olhar para o passado, ficando assim condenada a uma estéril repetição. Eis o que diz o Catecismo da Igreja Católica: « No entanto, apesar de a Revelação ter acabado, não quer dizer que esteja completamente explicitada. E está reservado à fé cristã apreender gradualmente todo o seu alcance no decorrer dos séculos » (n. 66). Estes dois aspectos — o vínculo com a unicidade do acontecimento e o progresso na sua compreensão — estão optimamente ilustrados nos discursos de despedida do Senhor, quando Ele declara aos discípulos: « Ainda tenho muitas coisas para vos dizer, mas não as podeis suportar agora. Quando vier o Espírito da Verdade, Ele guiar-vos-á para a verdade total, porque não falará de Si mesmo (...) Ele glorificar-Me-á, porque há-de receber do que é meu, para vo-lo anunciar » (Jo 16, 12-14). Por um lado, o Espírito serve de guia, desvendando assim um conhecimento cuja densidade não se podia alcançar antes porque faltava o pressuposto, ou seja, o da amplidão e profundidade da fé cristã, e que é tal que não estará concluída jamais. Por outro lado, esse acto de guiar é « receber » do tesouro do próprio Jesus Cristo, cuja profundidade inexaurível se manifesta nesta condução por obra do Espírito. A propósito disto, o Catecismo cita uma densa frase do Papa Gregório Magno: « As palavras divinas crescem com quem as lê » (CIC, n. 94; S. Gregório Magno, Homilia sobre Ezequiel 1, 7, 8). O Concílio Vaticano II indica três caminhos essenciais, através dos quais o Espírito Santo efectua a sua guia da Igreja e, consequentemente, o « crescimento da Palavra »: realiza‑se por meio da meditação e estudo dos fiéis, por meio da íntima inteligência que experimentam das coisas espirituais, e por meio da pregação daqueles « que, com a sucessão do episcopado, receberam o carisma da verdade » (Dei Verbum, n. 8).

Neste contexto, torna-se agora possível compreender correctamente o conceito de « revelação privada », que se aplica a todas as visões e revelações verificadas depois da conclusão do Novo Testamento; nesta categoria, portanto, se deve colocar a mensagem de Fátima. Ouçamos o que diz o Catecismo da Igreja Católica sobre isto também: « No decurso dos séculos tem havido revelações ditas “privadas”, algumas das quais foram reconhecidas pela autoridade da Igreja. (...) O seu papel não é (...) “completar” a Revelação definitiva de Cristo, mas ajudar a vivê-la mais plenamente numa determinada época da história » (n. 67). Isto deixa claro duas coisas:

1. A autoridade das revelações privadas é essencialmente diversa da única revelação pública: esta exige a nossa fé; de facto, nela, é o próprio Deus que nos fala por meio de palavras humanas e da mediação da comunidade viva da Igreja. A fé em Deus e na sua Palavra é distinta de qualquer outra fé, crença, opinião humana. A certeza de que é Deus que fala, cria em mim a segurança de encontrar a própria verdade; uma certeza assim não se pode verificar em mais nenhuma forma humana de conhecimento. É sobre tal certeza que edifico a minha vida e me entrego ao morrer.

2. A revelação privada é um auxílio para esta fé, e manifesta-se credível precisamente porque faz apelo à única revelação pública. O Cardeal Próspero Lambertini, mais tarde Papa Bento XIV, afirma a tal propósito num tratado clássico, que se tornou normativo a propósito das beatificações e canonizações: « A tais revelações aprovadas não é devida uma adesão de fé católica; nem isso é possível. Estas revelações requerem, antes, uma adesão de fé humana ditada pelas regras da prudência, que no-las apresentam como prováveis e religiosamente credíveis ». O teólogo flamengo E. Dhanis, eminente conhecedor desta matéria, afirma sinteticamente que a aprovação eclesial duma revelação privada contém três elementos: que a respectiva mensagem não contém nada em contraste com a fé e os bons costumes, que é lícito torná-la pública, e que os fiéis ficam autorizados a prestar-lhe de forma prudente a sua adesão [E. Dhanis, Sguardo su Fatima e bilancio di una discussione, em: La Civiltà Cattolica, CIV (1953-II), 392-406, especialmente 397]. Tal mensagem pode ser um válido auxílio para compreender e viver melhor o Evangelho na hora actual; por isso, não se deve transcurar. É uma ajuda que é oferecida, mas não é obrigatório fazer uso dela.

Assim, o critério para medir a verdade e o valor duma revelação privada é a sua orientação para o próprio Cristo. Quando se afasta d'Ele, quando se torna autónoma ou até se faz passar por outro desígnio de salvação, melhor e mais importante que o Evangelho, então ela certamente não provém do Espírito Santo, que nos guia no âmbito do Evangelho e não fora dele. Isto não exclui que uma revelação privada realce novos aspectos, faça surgir formas de piedade novas ou aprofunde e divulgue antigas. Mas, em tudo isso, deve tratar-se sempre de um alimento para a fé, a esperança e a caridade, que são, para todos, o caminho permanente da salvação. Podemos acrescentar que frequentemente as revelações privadas provêm da piedade popular e nela se reflectem, dando-lhe novo impulso e suscitando formas novas. Isto não exclui que aquelas tenham influência também na própria liturgia, como o demonstram por exemplo a festa do Corpo de Deus e a do Sagrado Coração de Jesus. Numa determinada perspectiva, pode-se afirmar que, na relação entre liturgia e piedade popular, está delineada a relação entre revelação pública e revelações privadas: a liturgia é o critério, a forma vital da Igreja no seu conjunto alimentada directamente pelo Evangelho. A religiosidade popular significa que a fé cria raízes no coração dos diversos povos, entrando a fazer parte do mundo da vida quotidiana. A religiosidade popular é a primeira e fundamental forma de « inculturação » da fé, que deve continuamente deixar-se orientar e guiar pelas indicações da liturgia, mas que, por sua vez, a fecunda a partir do coração.

Desta forma, passámos já das especificações mais negativas, e que eram primariamente necessárias, à definição positiva das revelações privadas: Como podem classificar-se de modo correcto a partir da Escritura? Qual é a sua categoria teológica? A carta mais antiga de S. Paulo que nos foi conservada e que é também o mais antigo escrito do Novo Testamento, a primeira Carta aos Tessalonicenses, parece-me oferecer uma indicação. Lá, diz o Apóstolo: « Não extingais o Espírito, não desprezeis as profecias. Examinai tudo e retende o que for bom » (5, 19-21). Em todo o tempo é dado à Igreja o carisma da profecia, que, embora tenha de ser examinado, não pode ser desprezado. A este propósito, é preciso ter presente que a profecia, no sentido da Bíblia, não significa predizer o futuro, mas aplicar a vontade de Deus ao tempo presente e consequentemente mostrar o recto caminho do futuro. Aquele que prediz o futuro pretende satisfazer a curiosidade da razão, que deseja rasgar o véu que esconde o futuro; o profeta vem em ajuda da cegueira da vontade e do pensamento, ilustrando a vontade de Deus enquanto exigência e indicação para o presente. Neste caso, a predição do futuro tem uma importância secundária; o essencial é a actualização da única revelação, que me diz respeito profundamente: a palavra profética ora é advertência ora consolação, ou então as duas coisas ao mesmo tempo. Neste sentido, pode-se relacionar o carisma da profecia com a noção « sinais do tempo », redescoberta pelo Vaticano II: « Sabeis interpretar o aspecto da terra e do céu; como é que não sabeis interpretar o tempo presente? » (Lc 12, 56). Por « sinais do tempo », nesta palavra de Jesus, deve-se entender o seu próprio caminho, Ele mesmo. Interpretar os sinais do tempo à luz da fé significa reconhecer a presença de Cristo em cada período de tempo. Nas revelações privadas reconhecidas pela Igreja — e portanto na de Fátima —, trata-se disto mesmo: ajudar-nos a compreender os sinais do tempo e a encontrar na fé a justa resposta para os mesmos.

A estrutura antropológica das revelações privadas

Tendo nós procurado, com estas reflexões, determinar o lugar teológico das revelações privadas, devemos agora, ainda antes de nos lançarmos numa interpretação da mensagem de Fátima, esclarecer, embora brevemente, o seu carácter antropológico (psicológico). A antropologia teológica distingue, neste âmbito, três formas de percepção ou « visão »: a visão pelos sentidos, ou seja, a percepção externa corpórea; a percepção interior; e a visão espiritual (visio sensibilis, imaginativa, intellectualis). É claro que, nas visões de Lourdes, Fátima, etc, não se trata da percepção externa normal dos sentidos: as imagens e as figuras vistas não se encontram fora no espaço circundante, como está lá, por exemplo, uma árvore ou uma casa. Isto é bem evidente, por exemplo, no caso da visão do inferno (descrita na primeira parte do « segredo » de Fátima) ou então na visão descrita na terceira parte do « segredo », mas pode-se facilmente comprovar também noutras visões, sobretudo porque não eram captadas por todos os presentes, mas apenas pelos « videntes ». De igual modo, é claro que não se trata duma « visão » intelectual sem imagens, como acontece nos altos graus da mística. Trata-se, portanto, da categoria intermédia, a percepção interior que, para o vidente, tem uma força de presença tal que equivale à manifestação externa sensível.

Este ver interiormente não significa que se trata de fantasia, que seria apenas uma expressão da imaginação subjectiva. Significa, antes, que a alma recebe o toque suave de algo real mas que está para além do sensível, tornando-a capaz de ver o não-sensível, o não-visível aos sentidos: uma visão através dos « sentidos internos ». Trata-se de verdadeiros « objectos » que tocam a alma, embora não pertençam ao mundo sensível que nos é habitual. Por isso, exige-se uma vigilância interior do coração que, na maior parte do tempo, não possuímos por causa da forte pressão das realidades externas e das imagens e preocupações que enchem a alma. A pessoa é levada para além da pura exterioridade, onde é tocada por dimensões mais profundas da realidade que se lhe tornam visíveis. Talvez assim se possa compreender por que motivo os destinatários preferidos de tais aparições sejam precisamente as crianças: a sua alma ainda está pouco alterada, e quase intacta a sua capacidade interior de percepção. « Da boca dos pequeninos e das crianças de peito recebeste louvor »: esta foi a resposta de Jesus — servindo-se duma frase do Salmo 8 (v. 3) — à crítica dos sumos sacerdotes e anciãos, que achavam inoportuno o grito hossana das crianças (Mt 21, 16).

Como dissemos, a « visão interior » não é fantasia, mas uma verdadeira e própria maneira de verificação. Fá-lo, porém, com as limitações que lhe são próprias. Se, na visão exterior, já interfere o elemento subjectivo, isto é, não vemos o objecto puro mas este chega-nos através do filtro dos nossos sentidos que têm de operar um processo de tradução; na visão interior, isso é ainda mais claro, sobretudo quando se trata de realidades que por si mesmas ultrapassam o nosso horizonte. O sujeito, o vidente, tem uma influência ainda mais forte; vê segundo as próprias capacidades concretas, com as modalidades de representação e conhecimento que lhe são acessíveis. Na visão interior, há, de maneira ainda mais acentuada que na exterior, um processo de tradução, desempenhando o sujeito uma parte essencial na formação da imagem daquilo que aparece. A imagem pode ser captada apenas segundo as suas medidas e possibilidades. Assim, tais visões não são em caso algum a « fotografia » pura e simples do Além, mas trazem consigo também as possibilidades e limitações do sujeito que as apreende.

Isto é patente em todas as grandes visões dos Santos; naturalmente vale também para as visões dos pastorinhos de Fátima. As imagens por eles delineadas não são de modo algum mera expressão da sua fantasia, mas fruto duma percepção real de origem superior e íntima; nem se hão-de imaginar como se por um instante se tivesse erguido a ponta do véu do Além, aparecendo o Céu na sua essencialidade pura, como esperamos vê-lo na união definitiva com Deus. Poder-se-ia dizer que as imagens são uma síntese entre o impulso vindo do Alto e as possibilidades disponíveis para o efeito por parte do sujeito que as recebe, isto é, das crianças. Por tal motivo, a linguagem feita de imagens destas visões é uma linguagem simbólica. Sobre isto, diz o Cardeal Sodano: « Não descrevem de forma fotográfica os detalhes dos acontecimentos futuros, mas sintetizam e condensam sobre a mesma linha de fundo factos que se prolongam no tempo numa sucessão e duração não especificadas ». Esta sobreposição de tempos e espaços numa única imagem é típica de tais visões, que, na sua maioria, só podem ser decifradas a posteriori. E não é necessário que cada elemento da visão tenha de possuir uma correspondência histórica concreta. O que conta é a visão como um todo, e a partir do conjunto das imagens é que se devem compreender os detalhes. O que efectivamente constitui o centro duma imagem só pode ser desvendado, em última análise, a partir do que é o centro absoluto da « profecia » cristã: o centro é o ponto onde a visão se torna apelo e indicação da vontade de Deus.

Uma tentativa de interpretação do « segredo » de Fátima

A primeira e a segunda parte do « segredo » de Fátima foram já discutidas tão amplamente por específicas publicações, que não necessitam de ser ilustradas novamente aqui. Queria apenas chamar brevemente a atenção para o ponto mais significativo. Os pastorinhos experimentaram, durante um instante terrível, uma visão do inferno. Viram a queda das « almas dos pobres pecadores ». Em seguida, foi-lhes dito o motivo pelo qual tiveram de passar por esse instante: para « salvá-las » — para mostrar um caminho de salvação. Isto faz-nos recordar uma frase da primeira Carta de Pedro que diz: « Estais certos de obter, como prémio da vossa fé, a salvação das almas » (1, 9). Como caminho para se chegar a tal objectivo, é indicado de modo surpreendente para pessoas originárias do ambiente cultural anglo-saxónico e germânico - a devoção ao Imaculado Coração de Maria. Para compreender isto, deveria bastar uma breve explicação. O termo « coração », na linguagem da Bíblia, significa o centro da existência humana, uma confluência da razão, vontade, temperamento e sensibilidade, onde a pessoa encontra a sua unidade e orientação interior. O « coração imaculado » é, segundo o evangelho de Mateus (5, 8), um coração que a partir de Deus chegou a uma perfeita unidade interior e, consequentemente, « vê a Deus ». Portanto, « devoção » ao Imaculado Coração de Maria é aproximar-se desta atitude do coração, na qual o fiat — « seja feita a vossa vontade » — se torna o centro conformador de toda a existência. Se porventura alguém objectasse que não se deve interpor um ser humano entre nós e Cristo, lembre-se de que Paulo não tem medo de dizer às suas comunidades: « Imitai-me » (cf. 1 Cor 4, 16; Fil 3, 17; 1 Tes 1, 6; 2 Tes 3, 7.9). No Apóstolo, elas podem verificar concretamente o que significa seguir Cristo. Mas, com quem poderemos nós aprender sempre melhor do que com a Mãe do Senhor?

Chegamos assim finalmente à terceira parte do « segredo » de Fátima, publicado aqui pela primeira vez integralmente. Como resulta da documentação anterior, a interpretação dada pelo Cardeal Sodano, no seu texto do dia 13 de Maio, tinha antes sido apresentada pessoalmente à Irmã Lúcia. A tal propósito, ela começou por observar que lhe foi dada a visão, mas não a sua interpretação. A interpretação, dizia, não compete ao vidente, mas à Igreja. No entanto, depois da leitura do texto, a Irmã Lúcia disse que tal interpretação corresponde àquilo que ela mesma tinha sentido e que, pela sua parte, reconhecia essa interpretação como correcta. Sendo assim, limitar-nos-emos, naquilo que vem a seguir, a dar de forma profunda um fundamento à referida interpretação, partindo dos critérios anteriormente desenvolvidos.

Do mesmo modo que tínhamos indentificado, como palavra-chave da primeira e segunda parte do « segredo », a frase « salvar as almas », assim agora a palavra-chave desta parte do « segredo » é o tríplice grito: « Penitência, Penitência, Penitência! » Volta-nos ao pensamento o início do Evangelho: « Pænitemini et credite evangelio » (Mc 1, 15). Perceber os sinais do tempo significa compreender a urgência da penitência, da conversão, da fé. Tal é a resposta justa a uma época histórica caracterizada por grandes perigos, que serão delineados nas sucessivas imagens. Deixo aqui uma recordação pessoal: num colóquio que a Irmã Lúcia teve comigo, ela disse-me que lhe parecia cada vez mais claramente que o objectivo de todas as aparições era fazer crescer sempre mais na fé, na esperança e na caridade; tudo o mais pretendia apenas levar a isso.

Examinemos agora mais de perto as diversas imagens. O anjo com a espada de fogo à esquerda da Mãe de Deus lembra imagens análogas do Apocalipse: ele representa a ameaça do juízo que pende sobre o mundo. A possibilidade que este acabe reduzido a cinzas num mar de chamas, hoje já não aparece de forma alguma como pura fantasia: o próprio homem preparou, com suas invenções, a espada de fogo. Em seguida, a visão mostra a força que se contrapõe ao poder da destruição: o brilho da Mãe de Deus e, de algum modo proveniente do mesmo, o apelo à penitência. Deste modo, é sublinhada a importância da liberdade do homem: o futuro não está de forma alguma determinado imutavelmente, e a imagem vista pelos pastorinhos não é, absolutamente, um filme antecipado do futuro, do qual já nada se poderia mudar. Na realidade, toda a visão acontece só para chamar em campo a liberdade e orientá-la numa direcção positiva. O sentido da visão não é, portanto, o de mostrar um filme sobre o futuro, já fixo irremediavelmente; mas exactamente o contrário: o seu sentido é mobilizar as forças da mudança em bem. Por isso, há que considerar completamente extraviadas aquelas explicações fatalistas do « segredo » que dizem, por exemplo, que o autor do atentado de 13 de Maio de 1981 teria sido, em última análise, um instrumento do plano divino predisposto pela Providência e, por conseguinte, não poderia ter agido livremente, ou outras ideias semelhantes que por aí andam. A visão fala sobretudo de perigos e do caminho para salvar-se deles.

As frases seguintes do texto mostram uma vez mais e de forma muito clara o carácter simbólico da visão: Deus permanece o incomensurável e a luz que está para além de qualquer visão nossa. As pessoas humanas são vistas como que num espelho. Devemos ter continuamente presente esta limitação inerente à visão, cujos confins estão aqui visivelmente indicados. O futuro é visto apenas « como que num espelho, de maneira confusa » (cf. 1 Cor 13, 12). Consideremos agora as diversas imagens que se sucedem no texto do « segredo ». O lugar da acção é descrito com três símbolos: uma montanha íngreme, uma grande cidade meia em ruínas e finalmente uma grande cruz de troncos toscos. A montanha e a cidade simbolizam o lugar da história humana: a história como árdua subida para o alto, a história como lugar da criatividade e convivência humana e simultaneamente de destruições pelas quais o homem aniquila a obra do seu próprio trabalho. A cidade pode ser lugar de comunhão e progresso, mas também lugar do perigo e da ameaça mais extrema. No cimo da montanha, está a cruz: meta e ponto de orientação da história. Na cruz, a destruição é transformada em salvação; ergue-se como sinal da miséria da história e como promessa para a mesma.

Aparecem lá, depois, pessoas humanas: o Bispo vestido de branco (« tivemos o pressentimento que era o Santo Padre »), outros bispos, sacerdotes, religiosos e religiosas e, finalmente, homens e mulheres de todas as classes e posições sociais. O Papa parece caminhar à frente dos outros, tremendo e sofrendo por todos os horrores que o circundam. E não são apenas as casas da cidade que jazem meio em ruínas; o seu caminho é ladeado pelos cadáveres dos mortos. Deste modo, o caminho da Igreja é descrito como uma Via Sacra, como um caminho num tempo de violência, destruições e perseguições. Nesta imagem, pode-se ver representada a história dum século inteiro. Tal como os lugares da terra aparecem sinteticamente representados nas duas imagens da montanha e da cidade e estão orientados para a cruz, assim também os tempos são apresentados de forma contraída: na visão, podemos reconhecer o século vinte como século dos mártires, como século dos sofrimentos e perseguições à Igreja, como o século das guerras mundiais e de muitas guerras locais que ocuparam toda a segunda metade do mesmo, tendo feito experimentar novas formas de crueldade. No « espelho » desta visão, vemos passar as testemunhas da fé de decénios. A este respeito, é oportuno mencionar uma frase da carta que a Irmã Lúcia escreveu ao Santo Padre no dia 12 de Maio de 1982: « A terceira parte do “segredo” refere-se às palavras de Nossa Senhora: “Se não, [a Rússia] espalhará os seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja. Os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas” ».

Na Via Sacra deste século, tem um papel especial a figura do Papa. Na árdua subida da montanha, podemos sem dúvida ver figurados conjuntamente diversos Papas, começando de Pio X até ao Papa actual, que partilharam os sofrimentos deste século e se esforçaram por avançar, no meio deles, pelo caminho que leva à cruz. Na visão, também o Papa é morto na estrada dos mártires. Não era razoável que o Santo Padre, quando, depois do atentado de 13 de Maio de 1981, mandou trazer o texto da terceira parte do « segredo », tivesse lá identificado o seu próprio destino? Esteve muito perto da fronteira da morte, tendo ele mesmo explicado a sua salvação com as palavras seguintes: « Foi uma mão materna que guiou a trajectória da bala e o Papa agonizante deteve-se no limiar da morte » (13 de Maio de 1994). O facto de ter havido lá uma « mão materna » que desviou a bala mortífera demonstra uma vez mais que não existe um destino imutável, que a fé e a oração são forças que podem influir na história e que, em última análise, a oração é mais forte que as balas, a fé mais poderosa que os exércitos.

A conclusão do « segredo » lembra imagens, que Lúcia pode ter visto em livros de piedade e cujo conteúdo deriva de antigas intuições de fé. É uma visão consoladora, que quer tornar permeável à força sanificante de Deus uma história de sangue e de lágrimas. Anjos recolhem, sob os braços da cruz, o sangue dos mártires e com ele regam as almas que se aproximam de Deus. O sangue de Cristo e o sangue dos mártires são vistos aqui juntos: o sangue dos mártires escorre dos braços da cruz. O seu martírio realiza-se solidariamente com a paixão de Cristo, identificando-se com ela. Eles completam em favor do corpo de Cristo o que ainda falta aos seus sofrimentos (cf. Col 1, 24). A sua própria vida tornou-se eucaristia, inserindo-se no mistério do grão de trigo que morre e se torna fecundo. O sangue dos mártires é semente de cristãos, disse Tertuliano. Tal como nasceu a Igreja da morte de Cristo, do seu lado aberto, assim também a morte das testemunhas é fecunda para a vida futura da Igreja. Deste modo, a visão da terceira parte do « segredo », tão angustiante ao início, termina numa imagem de esperança: nenhum sofrimento é vão, e precisamente uma Igreja sofredora, uma Igreja dos mártires torna-se sinal indicador para o homem na sua busca de Deus. Não se trata apenas de ver os que sofrem acolhidos na mão amorosa de Deus como Lázaro, que encontrou a grande consolação e misteriosamente representa Cristo, que por nós Se quis fazer o pobre Lázaro; mas há algo mais: do sofrimento das testemunhas deriva uma força de purificação e renovamento, porque é a actualização do próprio sofrimento de Cristo e transmite ao tempo presente a sua eficácia salvífica.

Chegamos assim a uma última pergunta: O que é que significa no seu conjunto (nas suas três partes) o « segredo » de Fátima? O que é nos diz a nós? Em primeiro lugar, devemos supor, como afirma o Cardeal Sodano, que « os acontecimentos a que faz referência a terceira parte do “segredo” de Fátima parecem pertencer já ao passado ». Os diversos acontecimentos, na medida em que lá são representados, pertencem já ao passado. Quem estava à espera de impressionantes revelações apocalípticas sobre o fim do mundo ou sobre o futuro desenrolar da história, deve ficar desiludido. Fátima não oferece tais satisfações à nossa curiosidade, como, aliás, a fé cristã em geral que não pretende nem pode ser alimento para a nossa curiosidade. O que permanece — dissemo-lo logo ao início das nossas reflexões sobre o texto do « segredo » — é a exortação à oração como caminho para a « salvação das almas », e no mesmo sentido o apelo à penitência e à conversão.

Queria, no fim, tomar uma vez mais outra palavra-chave do « segredo » que justamente se tornou famosa: « O meu Imaculado Coração triunfará ». Que significa isto? Significa que este Coração aberto a Deus, purificado pela contemplação de Deus, é mais forte que as pistolas ou outras armas de qualquer espécie. O fiat de Maria, a palavra do seu Coração, mudou a história do mundo, porque introduziu neste mundo o Salvador: graças àquele « Sim », Deus pôde fazer-Se homem no nosso meio e tal permanece para sempre. Que o maligno tem poder neste mundo, vemo-lo e experimentamo-lo continuamente; tem poder, porque a nossa liberdade se deixa continuamente desviar de Deus. Mas, desde que Deus passou a ter um coração humano e deste modo orientou a liberdade do homem para o bem, para Deus, a liberdade para o mal deixou de ter a última palavra. O que vale desde então, está expresso nesta frase: « No mundo tereis aflições, mas tende confiança! Eu venci o mundo » (Jo 16, 33). A mensagem de Fátima convida a confiar nesta promessa.

Joseph Card. Ratzinger

Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé


(1) Lê-se no diário de João XXIII, a 17 de Agosto de 1959: « Audiências: P. Philippe, Comissário do S.O., que me traz a carta que contém a terceira parte dos segredos de Fátima. Reservo-me de a ler com o meu Confessor ».

(2) Vale a pena recordar o comentário feito pelo Santo Padre, na Audiência Geral de 14 de Outubro de 1981, sobre « O acontecimento de Maio: grande prova divina », em: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, IV‑2 (Città del Vaticano 1981), 409-412; cf. L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 18-X-1981), 484.

(3) Radiomensagem durante o rito, na Basílica de Santa Maria Maior, « Veneração, agradecimento, entrega à Virgem Maria Theotokos », em: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, IV-1 (Città del Vaticano 1981), 1246; cf. L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 14-VI-1981), 302.

(4) Na Jornada Jubilar das Famílias, o Papa entrega a Nossa Senhora os homens e as nações: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, VII-1 (Città del Vaticano 1984), 775-777; cf. L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 1-IV-1984), 157 e 160.

(5) Texto original da carta:

(6) Na « quarta memória », de 8 de Dezembro de 1941, a Irmã Lúcia escreve: « Começo pois a minha nova tarefa, e cumprirei as ordens de V. Ex.cia Rev.ma e os desejos do Senhor Dr. Galamba. Excetuando a parte do segredo que por agora não me é permitido revelar, direi tudo; advertidamente não deixarei nada. Suponho que poderão esquecer-me apenas alguns pequenos detalhes de mínima importância ».

Texto original:

(7) Na citada « quarta memória », a Irmã Lúcia acrescenta: « Em Portugal se conservará sempre o dogma da fé etc. ».

Texto original:

(8) Na transcrição, respeitou-se o texto original mesmo quando havia erros e imprecisões de escrita e pontuação, os quais, aliás, não impedem a compreensão daquilo que a vidente quis dizer.