COMPAIXÃO E RESPONSABILIDADE UNIVERSAL
No Tibet dizemos que muitas doenças podem ser curadas pela medicina
do amor e da compaixão. Essas qualidades são a fonte suprema da felicidade humana, e
nossa necessidade delas repousa no meio do nosso ser. Infelizmente, amor e compaixão vêm
sendo omitidos da esfera das interações sociais por muito tempo. Geralmente confinada
dentro da família, sua prática pública é considerada impraticável, mesmo ingênua.
Isso é trágico. Do meu ponto de vista, a prática da compaixão não é um sintoma de
idealismo irreal, mas a mais efetiva maneira de satisfazer os melhores interesses de todos
e os meus próprios.
A fundação para o desenvolvimento de boas relações com o outro
são o altruísmo, a compaixão e o perdão. Perdão é a maneira mais efetiva de lidar
com discussões; altruísmo e perdão unem a humanidade, não permitindo que nenhum
conflito, mesmo o mais sério, ultrapasse as barreiras do que é verdadeiramente humano.
Uma mente comprometida com a compaixão é como um reservatório transbordante - uma fonte
constante de energia, determinação e bondade. A mente pode ser corno uma semente; quando
cultivada, deixa surgir muitas outras qualidades, como a tolerância, força interior e
confiança para ultrapassar o medo e a insegurança. A mente que tem compaixão e como um
elixir: é capaz de transformar situações ruins em benéficas.
Urna grande questão sublinha a nossa experiência, quer pensemos
nela conscientemente ou não: Qual o propósito da vida?
Eu acredito que o propósito da vida é ser feliz.
Desde o momento em que nasce, o ser humano busca a felicidade e não
deseja o sofrimento. Do fundo do nosso coração sempre desejamos o contentamento.
Para começar, podemos dividir todo tipo de felicidade e sofrimento
em duas categorias: mental e física. Das duas, é a mente que exerce a maior influência
sobre nós. A mente registra todos os eventos, não importa quão pequeno. Por isso
devemos devotar nossos mais sérios esforços para conquistar a paz mental. Da minha
limitada experiência, eu descobri que o maior nível de tranqüilidade interior vem do
desenvolvimento do amor e da compaixão.
Quanto mais nos preocupamos com a felicidade dos outros, maior a
nossa sensação de bem-estar. Ao cultivar um sentimento de proximidade e calor para com
os outros, relaxamos nossa mente. Isso nos ajuda a remover quaisquer medos ou
inseguranças que porventura tenhamos, dando força para remover qualquer obstáculo que
encontremos.
Enquanto vivermos neste mundo, é certo que encontraremos problemas.
Às vezes perdemos a fé e ficamos desencorajados, sem habilidade de enfrentar as
dificuldades. Mas, se relembrarmos que não somos os únicos a sofrer, mas toda a
humanidade, uma perspectiva mais realista aumenta nossa de- terminação e capacidade de
superar problemas. Com essa atitude, ainda, cada novo obstáculo pode ser visto como uma
oportunidade valiosa para fortalecer a nossa mente.
A interdependência é uma lei fundamental da natureza.
Milhões de pessoas vivem juntas nas grandes cidades em todo o
mundo, mas apesar da proximidade, a maioria está solitária. Muitos não têm nem uma
pessoa com quem compartilhar um sentimento e vivem num estado de agitação perpétuo. A
causa maior da depressão não é a falta de necessidades materiais, mas a ausência de
afeição. Os seres humanos não são animais solitários que se associam apenas para
reproduzir. Se assim fosse, para que construir cidades tão grandes?
A civilização realizou grandes avanços neste século, mas nosso
dilema atual é a ênfase apenas no desenvolvimento material. Nesse ponto, perdemos nossa
humanidade.
Nossa existência é dependente dos outros a tal ponto que a
necessidade de amor é fundamental na nossa existência. Não há objeto material, por
mais bonito ou valioso, que faça com que nos sintamos amados, porque nossa identidade
profunda e caráter verdadeiro estão na natureza subjetiva da mente.
Também é verdadeiro que todos temos um auto-centramento inato, que
inibe o nosso amor pelo próximo. Então como desenvolver a compaixão?
Não basta pensar "como é boa a compaixão", mas fazer um
esforço concentrado para desenvolvê-la; precisamos usar todos os eventos do nossa vida
cotidiana para transformar nossos pensamentos e comportamento.
As pessoas, sejam bonitas e amigas, desinteressantes ou aborrecidas,
são seres humanos exatamente como nós. Como nós, elas querem a felicidade e não
desejam o sofrimento. O direito de todos de superar o sofrimento e ser feliz é igual ao
nosso. Quando reconhecemos que todos os seres são iguais nos seus desejos, imediatamente
sentimos empatia e proximidade com eles. Devemos acostumar a nossa mente com este senso de
altruísmo universal, desenvolvendo o senso de responsabilidade por todos; e essa
responsabilidade se nutre do desejo de ajudar a todos a superar os seus problemas.
Eu quero enfatizar que não basta pensar meramente na compaixão e
ter boa vontade; temos que observar as dificuldades que surgem e tentar realizar sua
prática. E quem cria essas oportunidades? Não são os nossos amigos, mas nossos
inimigos. São eles que nos criam problemas. Então, se queremos aprender, devemos
considerar nossos inimigos como nossos melhores mestres. A prática da tolerância é
essencial, e para isso um inimigo é indispensável. Então devemos nos sentir agradecidos
aos nossos inimigos, pois são eles quem melhor nos ajudam e desenvolver uma mente
tranqüila.
Porque todos compartilhamos a mesma necessidade de amor, é
possível sentir, em todos que encontramos, em qualquer circunstância, um irmão ou uma
irmã. Não importa o quanto sejam diferentes de nós na face ou na vestimenta. Nossa
natureza básica é a mesma. Isso proporciona uma verdadeira sensação de felicidade.
Essa é a prática da compaixão.
A responsabilidade universal, então, é a chave para a
sobrevivência humana.
É a verdadeira fundação da paz mundial, do uso equilibrado dos
recursos naturais, da preocupação pelas futuras gerações.
Dalai Lama
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