Casamento gay é mais feliz e tem menos conflito
Durante um
de seus programas, o famoso apresentador de talk show nos Estados
Unidos, David Letterman, fez uma série de perguntas sobre o casamento
homossexual para sua plateia – e não nos surpreenderia se você, leitor,
alguma vez já tivesse feito esses mesmos questionamentos.
“Quem desce
as escadas no meio da noite para identificar de onde vem aquele barulho
estranho? Quem esquece o aniversário de casamento? Quem se recusa a
parar e pedir por informações? E qual pessoa demora uma eternidade para
ficar pronto?”, foram algumas delas.
A piada
gerou os risos esperados do público, mas foi também um exemplo revelador
do esforço que a sociedade em si tem para definir o casamento do mesmo
sexo, que eventualmente se torna uma comparação com o casamento
heterossexual.
Embora
existam muitas semelhanças entre os casamentos gays e héteros, uma
década de pesquisas científicas mostra que casais do mesmo sexo também
adaptaram a instituição de várias maneiras. E o resultados desses
estudos são no mínimo surpreendentes e polêmicos.
O que não
causa espanto é a primeira conclusão: de que relacionamentos gays tendem
a ser mais igualitários. Isso ocorre justamente porque os casais do
mesmo sexo não dividem tarefas domésticas nem se comportam socialmente
seguindo um padrão tradicional de gênero.
Pesquisadores
também relataram que casais homossexuais possuem menos conflito e mais
felicidade em seus relacionamentos. E porque os casais gays muitas vezes
não têm o apoio de membros da família, eles tendem a receber mais apoio
de uma grande e participativa rede de amigos.
Esses dados
vêm logo após decisões do Supremo Tribunal dos Estados Unidos a favor do
matrimônio homoafetivo. Por lá, o apoio ao casamento gay é recorde.
Segundo dados do jornal “USA Today”, 55% dos estadunidenses são
favoráveis às uniões homossexuais, ante 40% contra.
No Brasil, o
reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo ocorre desde
2011, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que casais gays
têm o direito legal às uniões e estabeleceu base jurídica para uma
futura legislação sobre os direitos matrimoniais das uniões de mesmo
sexo. Em maio deste ano, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou a
resolução que obriga todos os cartórios do país a celebrar casamentos
entre pessoas do mesmo sexo. Em todo o mundo, já são 15 os países que
realizam casamentos homossexuais.
Com o
assunto tão em voga, uma nova e bem mais extensa pesquisa começa a ser
desenvolvida. Recentemente, o Instituto Nacional de Saúde dos EUA
aprovou um estudo de 1 milhão de dólares (mais de 2 milhões de reais) a
ser feito com casais gays e héteros que foram acompanhados durante 10
anos por pesquisadores da Universidade Estadual de San Diego, na
Califórnia.
Um dos
maiores estudos de seu tipo, uma investigação começou depois que o
estado americano de Vermont legalizou as uniões civis do mesmo sexo, no
ano de 2000. O estudo pioneiro teve como foco cerca de mil casais,
incluindo casais do mesmo sexo e seus irmãos heterossexuais casados. A
inclusão de irmãos permitiu aos pesquisadores comparar semelhanças e
diferenças entre os casais homo e heterossexuais da mesma faixa etária,
família e origens religiosas.
“Há tanta
coisa para aprender com esses casais que tiveram a união civil
oficializada em Vermont na década passada”, diz uma das autoras da
pesquisa e professora de estudos femininos na Universidade de San Diego,
Esther Rothblum. “Para a maioria das perguntas que as pessoas me fazem
sobre o casamento do mesmo sexo, a minha resposta é: ‘Nós não sabemos
ainda’”.
Uma das
descobertas mais notáveis dos casais de Vermont foi que, em quase
todos os quesitos, os casais do mesmo sexo relataram níveis mais
elevados de felicidade em seus relacionamentos do que casais
heterossexuais. Casais gay relataram muito menos conflitos e maiores
níveis de intimidade em comparação com os héteros. Casais homossexuais
se mostraram mais propensos a sentir que podiam confiar em seus
parceiros, a se deixar experimentar altos níveis de afeto e ser mais
feliz com suas vidas sexuais.
Uma razão,
segundo os pesquisadores, para casais do mesmo sexo apresentarem mais
satisfação e menos conflito é que os seus relacionamentos tendem a ser
menos definidos por papéis tradicionais.
O homem,
homo ou heterossexual, sente mais facilidade em se comunicar e se
entender com outros homens. Para a mulher, da mesma forma, geralmente é
mais fácil a comunicação com outras mulheres. “O que eu gostaria de
dizer é que, se os homens são de Marte e as mulheres são de Vênus, então
é mais fácil que dois marcianos resolvam um conflito”, exemplifica
Rothblum.
Mesmo que
casais gays relatem mais felicidade geral em seus relacionamentos, eles
também tem mais probabilidade de romperem. Após três anos de
acompanhamento, a taxa de separação entre casais gays do estudo, que não
estavam em união civil, foi de 9,3%. Casais homossexuais em união civil
apresentaram um índice de 3,8%, enquanto apenas 2,7% dos casais
heterossexuais se separaram.
Embora isso
possa parecer uma contradição, a descoberta sugere que os fatores
externos – como a pressão da família, filhos e compromissos financeiros,
como uma hipoteca – podem desempenhar um papel maior do que a simples
felicidade conjugal na duração dos casamentos heterossexuais. Casais
gays normalmente possuem menos relações familiares próximas e
naturalmente são menos propensos a ter filhos, o que em tese
“facilitaria” uma separação.
Os dados
também indicam que o reconhecimento legal, quer se trate de uma união
civil ou de um casamento, é uma espécie de cola que pode ajudar os
casais, de mesmo sexo ou de gêneros opostos, a manter um relacionamento
de longo prazo.
“Quando as
coisas não estão indo bem, os casais do mesmo sexo podem achar que é
mais fácil simplesmente terminar”, conta Rothblum. “Mas agora, com as
leis de casamento cada vez mais igualitárias, casais gays também terão
que passar pelo processo legal de separação”.
Outra lição
importante do estudo, observa a pesquisadora, é que a duração do
relacionamento não é um bom termômetro da felicidade
conjugal. “Provavelmente existem muitas pessoas ainda casadas que são
extremamente infelizes e outros que são mais rápidos para querer a
separação. Só porque casais heterossexuais permanecem juntos por mais
tempo não significa que eles estão sempre felizes. Pode ser apenas que
eles tenham que lidar com mais razões externas e pressões sociais para
ficarem juntos do que os casais do mesmo sexo enfrentam”, conclui.
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