DIZEM QUE SOU
Como a boa escritora que Dizem que sou,
quero dividir com vocês o meu mundinho… Que, com muita licença poética,
é extremamente interessante. Quando eu preciso de informação eu leio…
Quando quero fantasia, eu crio. E entre realidade e ficção está
crescendo no mundo literário o número de escritores – talentosíssimos –
que abordam o cotidiano, anseios e sonhos do universo LGBT. E,
aproveitando que semana passada foi dia do escritor (beijo pra mim), eu
fui conferir essa literatura com os que estão bombando atualmente.
Começo com André Sena.
André,
39 anos, nasceu em Macaé, mas é um legítimo carioca, já que veio para o
Rio de Janeiro com apenas três dias de nascido. Desde criança sonha em
ser escritor, embora tenha iniciado sua carreira literária recentemente.
“Acho que precisei lutar muito para sobreviver, sou um ‘self making
man’*, não tive privilégios e meus pais não me deixaram bem material
algum. Financiaram o quanto puderam minha educação intelectual, me
legando um verdadeiro tesouro”, ele dá sua tacada inicial.
Além de
escritor, é historiador na área de Relações Internacionais e Doutor em
História Política pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.
Ele já escrevia livros, porém na área acadêmica. De caráter pessoal e
livre, o Dizem que sou, é o seu primeiro título. São narrativas,
poesias e relatos sobre a homofobia carioca. O livro ainda é acompanhado
por ilustrações de Jefferson Nascimento. A iniciativa de escrever sobre
o tema veio naturalmente. André se baseou em experiências pessoais e,
como cidadão, ele se sentiu com a responsabilidade de contribuir para o
debate sobre a homofobia.
Não pude
deixar de perguntar sobre seus embates pessoais. E o escritor só
conseguiu contar aos pais sobre sua sexualidade aos 27 anos, depois de
alcançar independência financeira. Ele se mostra arrependido e faz um
importante alerta:
“Recomendo
a todos: saiam do armário o mais rápido possível! Enfrentem o mundo e
vençam ainda jovens, a opressão homofóbica na família e na sociedade.
Não sigam o meu exemplo. Não esse. Tenho outras qualidades. Mas, me
escondi e hoje me arrependo muito disso.”
Falando em
exemplo, crises de identidade são comuns a todos, e de fato revelar a
sexualidade aos pais é um passo muito importante na vida de uma pessoa.
Até os heterossexuais sofrem com isso. Por exemplo, quando eu tinha 20
anos minha mãe descobriu que eu perdi a virgindade, foi um Deus nos
acuda. Em pleno século 21 ela sonhava que eu casasse casta. Risos.
Quem vive da
arte atrela a ela um importante estímulo no sentimento chamado coragem.
Ainda mais quando duas áreas se casam, como é o caso da estrela desse
post. O escritor é casado há quatro anos com o bailarino Fábio Sanfer e
afirma “é uma honra e ao mesmo tempo um privilégio poder ter um diálogo
com a estética, me desprendendo sempre que possível da minha
racionalidade como historiador”.
Tirando o
trivial da entrevista, como sou muito curiosa, puxei uma pergunta para o
lado literário e André me revelou o que lhe inspirou. Sua resposta foi
divina:
“Minha
orientação sexual é certamente e freudianamente o elemento mais
estruturante da minha vida. É fundamental na maneira como vejo e
interpreto o mundo. E acho isso incrível, rico e desafiador, porque
aprendi a sentir orgulho do que sou. Orgulho existencial mesmo, não
orgulho superficial, estampado em panfleto ou banner. Orgulho que me
fortaleceu em sala de aula e acabou promovendo o maior de todos os
elogios profissionais. Meu antigo coordenador acadêmico, Ronald Paschoal
falava de mim em uma reunião de professores e me descreveu da seguinte
maneira ‘o André é o profissional mais independente que nós temos’. Jamais
vou esquecer isto, é a constatação de que cheguei a algum lugar; um
lugar no mundo que sempre busquei e continuarei buscando: o da liberdade
de ser.”
André não é sucesso apenas na academia ou com os seus alunos. Antes mesmo de publicar o Dizem que sou,
já é, também, muito admirado pelo público heterossexual. Ele afirma
inclusive que se tivéssemos alguma possibilidade de quantificar isso
chegaríamos a um paradoxo. E lamenta a resistência do público LGBT, “a
homossexualidade é algo complexo e difícil. Nesse sentido muitas vezes
eu reconheço certa resistência da própria comunidade em prestigiar
eventos homoculturais. Isso provavelmente se deve ao pavor que se tem de
todos os estigmas e estereótipos em torno da homossexualidade que levam
a drásticas e variadas manifestações de homofobia, como a homofobia
clássica, a homofobia religiosa, a homofobia “cordial”, a homofobia
familiar e a mais terrível de todas: a homofobia internalizada. O
público hétero está muito mais inclinado a ler meus livros, embora
desejasse muito que o público homossexual, ‘o qual tenho orgulho de
pertencer’, fosse mais sensível às nossas causas, especialmente no campo
das expressões culturais”. Fica a dica, pessoal!
O
escritor está construindo sua carreira com versatilidade. Ele não faz
apenas literatura homocultural, “escrevo sobre tudo”, e revela ainda que
tem muita vontade de publicar algo em torno do diálogo inter-religioso,
pois, é Budista. O Pastor Márcio Retamero que fez o prefácio do seu
livro está trabalhando com ele na confecção de uma obra nesse sentido: Budismo e Cristianismo: um diálogo. “Tenho
também o desejo de escrever um livro de poesias sobre uma das minhas
mais recentes paixões. Meu companheiro é sergipano e meu amor por ele me
trouxe o amor por Aracaju. Gostaria muito de lançar oDizem que sou por lá”, acrescenta.
Antes de
terminar a entrevista ele ressalta que seu livro está repleto de emoções
e fala especialmente de uma crônica sobre um atendente negro numa
lanchonete no Centro do Rio, que sofreu preconceitos revelando a
fragilidade de duas minorias diferentes: a sexual e a racial. Mas eu não
vou soltar o título e nem dar mais detalhes, vocês terão que
experimentar o livro. André passa seu último recado:
“Escrever é
em grande medida revelar-se. Tenho enorme prazer em fazer isso e acho
que alguém que está pensando em iniciar a carreira de escritor deve
levar em consideração esse processo. Revelar-se é algo inerente ao
exercício delicioso da escrita, com todos os seus riscos e deleites”.
E para deixar todos com água na boca e terminar a matéria, segue uma palhinha do Dizem que sou. O lançamento será dia 16 de agosto, às 18h, na Livraria Cultura – Rua Senador Dantas, Centro do Rio.
“Vivemos em tempos de profundos anseios por mudanças no mundo, e isso requer de nós sensibilidade e reflexão.
Ao lado da homofobia histórica há um fenômeno cada vez mais visível em nossa sociedade: o da homofobia religiosa, ambientada no integrismo e no fundamentalismo. Outro fator visível é o da intolerância ao outro – a alteridade aparece no cotidiano, ora surpreendente, ora aberrante, mas ambos ‘desnaturalizados’, ou seja, impedidos de sua expressão na ordem do natural, do banal e do anônimo. A cidadania LGBT que vem construindo aos poucos uma agenda cada vez mais tangível enfrenta obstáculos aparentemente instransponíveis. Este livro de crônicas busca fotografar alguns acontecimentos que evidenciam nossa cultura sobre a homofobia, nosso cotidiano de intolerâncias e nossa resistência de cada dia. Todos nós, de uma forma ou outra nos reconheceremos nas páginas do Dizem que sou, o que não é nem surpreendente, nem pretensioso.”
Ao lado da homofobia histórica há um fenômeno cada vez mais visível em nossa sociedade: o da homofobia religiosa, ambientada no integrismo e no fundamentalismo. Outro fator visível é o da intolerância ao outro – a alteridade aparece no cotidiano, ora surpreendente, ora aberrante, mas ambos ‘desnaturalizados’, ou seja, impedidos de sua expressão na ordem do natural, do banal e do anônimo. A cidadania LGBT que vem construindo aos poucos uma agenda cada vez mais tangível enfrenta obstáculos aparentemente instransponíveis. Este livro de crônicas busca fotografar alguns acontecimentos que evidenciam nossa cultura sobre a homofobia, nosso cotidiano de intolerâncias e nossa resistência de cada dia. Todos nós, de uma forma ou outra nos reconheceremos nas páginas do Dizem que sou, o que não é nem surpreendente, nem pretensioso.”
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