terça-feira, 18 de maio de 2010

A HUMANIDADE


A HUMANIDADE

A Humanidade caminha sempre. Parece que a frase dirigida por Cristo a Lázaro, havia sido proferida por Deus aos primeiros Espíritos que migraram para a Terra.


Encerra toda a missão da Humanidade. Nela se contém toda a sua história, todo o seu destino.

Deus, ao ter aberto as portas desse mundo aos primeiros Espíritos, deve ter-lhes dito - nasçam e avancem. Venham do Ignoto e caminhem para a Perfectibilidade.

E a Humanidade, de então até hoje, tem caminhado, ora vagarosamente ora vertiginosamente, ora por sobre caminhos retos e lisos, numa serenidade olímpica, numa tranqüilidade solene, numa grandeza divina; ora correndo, saltando, rastejando, galgando precipícios, atravessando atalhos, ruindo obstáculos, destruindo barreiras, na vertigem da celeridade, na fúria da loucura, e, por vezes, na irresponsabilidade da demência.

Caminha assim para cumprir a sentença que da vontade suprema sobre ela caiu com as primeiras lufadas de ar terreno, com os primeiros raios da luz solar.

Podem fazer-se, às vezes, durante séculos, como durante dias, represas ao seu caminhar, como se fazem diques aos rios caudalosos; mas esses frágeis anteparos que a arte do homem cria para obstar a marcha da evolução, como a marcha das torrentes, não têm outro poder que o de avolumar, pela retenção provisória, o vulto e a força do que quer impedir, fazendo-a ganhar, pela precipitação e pela violência, com que pouco depois destrói, fragmenta, aniquila o obstáculo frágil, o tempo e o espaço momentaneamente perdidos.

Arrasado o obstáculo, arroja-se célere, impetuosa, avassaladora, nivelando, destruindo, numa fúria de liberdade, numa ânsia de vastidão, que apavora e deslumbra, que encanta e esmaga o observador sereno, livre, desapaixonado, que de sobre o cume iluminado da justiça, através da história e da verdade, examine esse espetáculo grandioso e terrível do vencido a aniquilar o vencedor; da natureza a dominar a arte; do destino a impulsionar o homem.

Os acontecimentos na Humanidade não devem nunca considerar-se isoladamente.

Da evolução geral da Humanidade não pode desintegrar-se nenhum fragmento. Não se deve abandonar o todo para se considerar a parte.

Todos os acontecimentos, todos os acidentes, quer atuem na vida do globo, quer influam na vida do homem; quer tenham a grandeza ciclópica das catástrofes mundiais, que a pequenez do aniquilamento de vidas humanas, desenham e vincam a estrada ininterrupta, sinuosa, que houve de percorrer-se, para se chegar onde estamos, desde que sobre o espírito do homem caiu a sentença divina: - surge et ambula. A luta contra os frios, a dominação dos frios; a luta contra as feras, a destruição das feras; a luta contra as florestas, o desaparecimento das florestas; a luta contra as águas, o vencimento das águas; a luta contra os ventos, a subjugação dos ventos; a luta pela conquista do fogo, a posse do fogo; a luta contra os animais, a domesticidade dos animais; a luta contra o raio, o domínio sobre o raio; a descoberta da eletricidade, o aproveitamento da eletricidade; o estudo dos sons, a harmonia dos sons; a construção da palavra, a grandeza da palavra; a elaboração das idéias, o fecundante poder das idéias; a constituição da família, a constituição da sociedade, a conquista da liberdade, o esplendor das artes, a maravilha das ciências; tudo isso que constitui a herança do homem, ligada e aumentada ininterruptamente de geração em geração, visto no detalhe de cada coisa, pode ter manchas, desigualdades, fraquezas; pode ter custado crimes pelo preço de virtudes; pode ter sido construído, a pedaços, argamassados em sangue; pode representar atentados monstruosos contra a justiça, contra o direito, contra a vida; mas visto no seu conjunto, na grandeza empolgante da sua uniformidade, no resultado final do trabalho humano, nesse bloco enorme, prodigioso que as gerações têm vindo rolando até nós, dá a impressão do assombro, o deslumbramento da superioridade, que há de evocar ao espírito do observador a idéia avassalante de que, para guiar o homem através desse labirinto de lutas, eriçado de obstáculos, semeado de abismos, povoado de incertezas, com o desconhecido em frente, o mistério por futuro, a ignorância por carga e por companheira a dor, é indispensável haver um fio inquebrável, um princípio divino, uma lei imutável, uma energia suprema, que só podia emanar de Deus.

O homem, como a Humanidade, tem manchas que o enegrecem e luz que o ilumina, adquiridas na trágica elaboração da sua vida. Da sua vida de dias, da sua vida de séculos, da sua vida de sempre.

As manchas são o escuro, e o escuro criou-o Deus para que nele se não visse.

A luz é que guia, fertiliza e ilumina. A luz é que se vê e deixa ver. A luz é que aquece, vivifica e produz. A luz descobre, a luz purifica. A luz é o dia, a luz é a vida.

O escuro só se vê onde está, e cega quem o vê. A luz caminha através dos cérebros, através dos tempos, como através do espaço e através dos mundos.

As manchas da Humanidade, como as do homem, ficam onde se criaram; e para as enxergar é indispensável procurá-las, descobri-las. Para as destruir e apagar é que se tem vindo lutando incessantemente.

Há uma força, que constitui uma potência luminosa, e vem, de sempre, jorrando luz aos feixes, sobre os escuros da Humanidade. Vem cauterizando as chagas, aperfeiçoando os princípios, dignificando os caracteres.

Essa força, essa luz, que como Pactolo1 carreja2 ouro nas suas ondas, chama-se Evolução.

A evolução é a deusa que preside aos destinos da Humanidade. É ela quem lhe regula os passos, quem lhe desimpede o caminho, quem lhe ensina o progresso e quem lhe entesoura o saber. O laço que ata umas às outras as vidas do homem, é alma; o laço que prende todos os atos da vida coletiva da Humanidade, é a Evolução. É a base das civilizações; é a força propulsora do progresso eterno. A evolução é a alma social.

A evolução, sendo o produto do trabalho do homem, é o influxo da vontade divina.

É a causa irresistível que o impulsiona para avante; é o quid3 misterioso, abstrato, intangível, que estabelece e desenvolve permanentemente, no espírito humano, o desejo, sempre insaciado de ir mais além; de saber mais, de adquirir mais e de mais amar.

Cada nome consagrado na história da Humanidade, representa um fato, uma conquista, um direito, um valor. Nada no mundo é perdido.

Todo esforço tem a sua utilidade; toda dor tem a sua compensação.

Ao examinar-se o percurso do homem, não pode deixar-se de se lhe reconhecer um destino, de se lhe supor uma missão.

Quem lha impôs? O Acaso?

Mas que é o Acaso?

É este um enigma que nenhum Édipo conseguirá decifrar; uma interrogação a que nenhum sábio saberá responder.

O acaso é a força inteligente que tudo rege; é a origem providencial de onde tudo mana. O acaso é uma palavra; debaixo dessa palavra está uma incógnita.

Os crentes chamam a essa incógnita Deus; os ecléticos, Providência; os fatalistas, Destino; os descrentes, Lei.

Cada um, a seu turno, busca uma idéia que lhe satisfaça o raciocínio, que lhe explique o que é de natureza inexplicável. Joga com palavras, joga com idéias, mas não ilude a nudez, a brutalidade, do fato a que obedece sem conhecer.

Esse fato é a Causa. Obedece-lhe, como um átomo de pó obedece ao furacão que o impele. A causa, é a mola oculta, que aciona a vida Universal.

Querer saber de que dinâmica vem a energia a essa mola, é querer conhecer o incognoscível. Se não se conhece a origem, conhece-se, entretanto, o efeito.

O homem deve regular os seus atos pela eterna lição que a Natureza lhe dá.

Todos os fatos de que o Destino é o regulador surgem só na hora própria. Tudo tem a sua função e o seu lugar, como uma peça de relojoaria; tudo tem o seu momento, eternamente fixado, como a hora da maré.

A vida coletiva da Humanidade, na parte espontânea da evolução, tem essa hora. Se a não aproveita e a deixa fugir, tem de correr para a apanhar; se lhe passa à frente, tem de esperá-la. A lei evolutiva é a trajetória tranqüila, é a ação lenta, mas firme. Sabe o que quer e para onde caminha. Não se apressa, mas não se demora.

Quando a Humanidade, pelo seu esforço, pretende contrariar essa marcha majestosa, entra na revolução. Faz a revolução para caminhar, faz a revolução para parar, faz a revolução para retroceder. A revolução é o solavanco, é o arbítrio. A revolução destrói o movimento isocrônico4 e mecânico da sociedade.

Agita para adquirir, agita para conservar, agita para destruir. Na revolução não há leis; mas a revolução obedece, muitas vezes, a um fatalismo histórico, a uma necessidade humana. Toda ação que desequilibre, toda que precipite, é uma revolução.

Há revoluções benéficas, há revoluções luminosas, como há revoluções que são cataclismos, e revoluções que são uma noite escura.

Há as que destroem masmorras, há as que erguem cadafalsos; há as que quebram grilhões, há as que fazem a escravidão. Umas projetam clarões, formam sóis que ficam a iluminar o mundo; outras queimam corpos, cegam consciências, encarceram o pensamento, fazem a escuridão.

(Espírito de Victor Hugo - Médium: Fernando Lacerda - Obra: Do País da Luz - 3)

Notas do compilador: 1 - Pactolo: grande riqueza inexplorada; 2 - carreja: arrasta, conduz; 3 - quid: que; 4 - isocrônico ou isócrono: de duração igual (as pequenas oscilações de um pêndulo são isócronas).

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